SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – o Grammy Latino, o Brasil, país com maior população e PIB da América Latina, é uma ilha. A premiação, que acontece nesta quinta, em Sevilha, na Espanha, tem só um artista brasileiro indicado nas quatro categorias principais álbum, gravação e canção do ano, além de artista revelação, em situação que reflete a história da participação dos músicos do país nas listas de vencedores.
Segundo levantamento feito pelo DeltaFolha, na história do prêmio, das 687 indicações feitas às categorias mais cobiçadas, artistas brasileiros foram citados 39 vezes pouco mais de 5% do total. Nessas 39 indicações, só três vezes brasileiros saíram vencedores.
Primeiro em 2004, com Maria Rita em artista revelação, depois com Ivan Lins em álbum do ano em 2005 e Caetano e Tom Veloso em gravação do ano em 2021. Isso representa pouco mais de 3% do total de vencedores do “big four” as quatro grandes categorias, em mais de 93 prêmios.
A reportagem coletou dados de todos os indicados no site do Grammy Latino, que acontece desde 2000. São 5.705 indicações. Depois, a partir de pesquisa, preencheu manualmente todas as indicações brasileiras, um total de 1.152.
Na premiação deste ano, alguns gigantes da história do prêmio disputam as categorias principais, entre eles os colombianos Carlos Vives, Juanes e Shakira e os espanhóis Alejandro Sanz e Rosalía. A única brasileira nos “big four” é a pernambucana Natascha Falcão, em artista revelação.
Com pegada MPB, ela lançou neste ano seu primeiro álbum, “Ave Mulher”. No Spotify, tem 7.000 ouvintes mensais.
Isso não significa que os brasileiros não participem historicamente do Grammy Latino. Eles estiveram e estão lá, mas na maioria concorrendo nas categorias setorizadas, aquelas dedicadas à língua portuguesa e a ritmos nacionais, caso do samba e do sertanejo.
Das 5.705 indicações feitas na história do Grammy Latino, o Brasil responde por 1.152 delas, ou 20,1%. Dessas 1.152 indicações, 245, ou 21,2%, foram em categorias gerais as que excluem ritmos regionais, artistas de um determinado país ou de línguas específicas.
Nessas indicações em categorias gerais, os artistas brasileiros saíram vencedores 29 vezes, ou em 11,8% das indicações. Os destaques vão para as categorias de melhor álbum de música clássica, com seis prêmios, e melhor álbum de música romântica, com cinco.
Não é à toa que Martinho da Vila e Zeca Pagodinho aparecem entre os brasileiros com mais indicações na história do prêmio, cotados quase anualmente na categoria de samba e pagode mas nunca fora dela. Outros nomes muito indicados são Ivete Sangalo, Gilberto Gil, Aline Barros, Maria Rita e Caetano Veloso.
Este último, o brasileiro com mais prêmios, talvez seja o único a conseguir minimamente furar a bolha. Caetano ganhou a maioria de seus 12 gramofones em categorias de MPB, mas beliscou alguns prêmios gerais como de melhor álbum de cantor e compositor em 2009, com “Zii e Zie”, e em 2013, com “Abraçaço”.
São números que refletem o isolamento da música brasileira dentro do cenário latino-americano reconhecido pelo prêmio. Segundo Matheus Fiore, chefe de marketing da WK Records e Central Sonora, empresa que agencia gigantes da música latina como Maluma, Carlos Vives e Ludmilla, a premiação “certamente não representa” a produção contemporânea de música brasileira.
“Ainda temos um longo caminho a percorrer na internacionalização da nossa música”, ele diz, citando a barreira do idioma como uma questão forte. “É uma das mais ricas do mundo, mas ainda não conseguimos exportar toda nossa brasilidade para fora.”
Ainda segundo Fiore, os brasileiros acabam competindo entre si no Grammy Latino pela falta de espaço nas categorias gerais. Falta, ele diz, um trabalho de internacionalização que “vá além de feats”. “Temos de nos entender como sul-americanos. Muitas vezes o brasileiro quer se ver como americano, europeu, e a realidade está muito distante.”
Para se ter destaque nessas premiações, é necessário um trabalho político nos bastidores, feito também pelas gravadoras. Neste ano, o selo brasileiro com mais indicados é a Som Livre, com Marília Mendonça, Filipe Ret e Planet Hemp, entre outros.
O CEO da gravadora, Marcelo Soares, afirma que a premiação é um reflexo da opinião de quem vota, uma grande maioria de pessoas de países de língua espanhola. “Quando somamos a isso a natureza subjetiva de um prêmio de música, é fácil de entender que haja poucas indicações brasileiras às categorias principais.”
Soares acredita que é preciso “incentivar a comunidade brasileira da música a se associar à academia para que a votação ganhe uma visão mais equilibrada do que passa no país”. Mas afirma que, de fato, “as categorias brasileiras continuam sendo o principal foco dos artistas brasileiros hoje”.
“E não acho isso ruim”, diz. “Ser indicado a um Grammy é uma honra que poucos artistas têm, ganhar um então é privilégio de uma minoria. E independentemente de prêmios, a semana do Grammy Latino é uma grande celebração da música latina.”
Segundo Leo Morel, que é analista do mercado da música e pesquisador, a barreira da língua não é a maior questão. “O Brasil consome música produzida por brasileiros. Não consumimos músicas dos portugueses, de artistas angolanos. Esse é um perfil do país.”
Ele diz que o Brasil deve investir em intercâmbio cultural com outros países. “Vejo a questão das políticas públicas como um fator determinante nisso e o Brasil, infelizmente, está muito atrás”, ele afirma. “Alguns países investem nisso, financiam artistas para viajar e tocar em outros locais. Fazemos pouco isso.”
GRAMMY LATINO
– Quando 16/11/2023
– Onde Sevilha, na Espanha
– Transmissão No Bis e no Globoplay com sinal aberto para não assinantes
– Horário 22h
LUCAS BRÊDA, AUGUSTO CONCONI E NICHOLAS PRETTO / Folhapress