SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A portaria do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que dificulta o trabalho em feriados no comércio foi editada a pedido de sindicalistas. A medida levou a reações de parlamentares, que querem derrubá-la no Congresso Nacional.
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, o texto publicado na quarta-feira (14), véspera do feriado de Proclamação da República, corrige uma “ilegalidade” de portaria editada no governo Jair Bolsonaro (PL).
Segundo a nova regra da portaria 3.665, o trabalho nos feriados só poderá ocorrer se estiver previsto em acordo ou convenção coletiva o que beneficia sindicatos, base do governo Lula ou se for liberado em legislação municipal, conforme determina lei de 2000.
Antes, o trabalho poderia ser realizado por imposição do empregador, sem negociação.
Em nota, a pasta afirma que a alteração do governo atual na portaria 671, de 2021, faz com que lei específica sobre o tema seja a única válida neste caso.
“A portaria 3.665/2023 tem como objetivo adequar a portaria 671/2021 ao texto da lei 10.101/2000. Isto porque os itens da portaria 671 sobre trabalho aos feriados são ilegais”, afirma o ministério.
“Uma portaria não se sobrepõe a uma lei e por esta razão o ministério revogou este artigo”, diz a pasta comandada por Luiz Marinho, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e ex-presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), sobre artigo que liberava de forma irrestrita o trabalho no comércio.
À Folha de S.Paulo a assessoria de Marinho afirma que a mudança na norma foi feita para atender a um pleito de sindicatos de comerciários.
Ricardo Patah, presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores) e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, entidade com 500 mil comerciários, confirma que a central esteve com o ministro para tratar do tema, assim como de outros assuntos ligados aos trabalhadores.
UGT é a central com sindicatos ligados à área comercial, que abrange hoje cerca de 10 milhões de trabalhadores no país. Segundo Patah, as tentativas de negociação entre sindicatos patronais e de empregados para compensação do trabalho em feriados seguiam sem sucesso.
Os encontros de sindicalistas com o governo fazem parte do movimento de autorregulação dos sindicatos de empregados e patronais. O tema, assim como diversos outros, têm sido levados a reuniões entre as partes, mas sem sucesso.
“Os sindicatos da área do comércio são retrógrados, são os mais difíceis em termos de negociação coletiva”, afirma Patah.
O sindicalista diz ainda que há um movimento por parte dos sindicatos de trabalhadores para que o MTE module a portaria e as novas regras passem a valer apenas a partir de 2024, já que os feriados de 2023 já estão definidos.
“A gente pode dar uma demonstração de grandeza e fazer com que a portaria passe a valer somente no ano que vem. A portaria reestabelece o diálogo e traz equilíbrio”, diz.
“A UGT não vai criar problema para uma situação que pode beneficiar trabalhadores, que querem trabalhar, o comércio, que quer vender, e os consumidores, que querem comprar”, afirma Patah.
Luiz Marinho tem afirmado em encontros com sindicalistas e empresários que irá “arbitrar para o lado do trabalhador”, utilizando as ferramentas legais que couber ao ministério, quando não houver acordo entre empresa e empregado.
A mudança na portaria de 2021 desagradou o setor de comércio, especialmente no ramo alimentício, o principal afetado, e já há um projeto de decreto legislativo para derrubar a portaria.
O projeto 4.040, de autoria dos senadores Efraim Filho (União-PB) e Alan Rick (União-AC), tem como objetivo trazer de novo a possibilidade de que o trabalho em feriados em supermercados, hipermercados e demais comércios varejistas de alimentos seja realizado sem negociação coletiva, apenas por determinação da empresa.
Na justificativa, o senador diz que o texto editado pelo MTE significa um retrocesso à atividade econômica e “empodera” os sindicatos, afetando trabalhadores.
Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado e ex-secretário de Previdência e Trabalho da gestão Bolsonaro, quer convocar o ministro Marinho para audiência na Casa. A ideia é cobrar esclarecimentos.
Em requerimento, que ainda precisa ser aprovado, Rogério Marinho afirma que “o governo retirou arbitrariamente a concessão, em caráter permanente, que autorizava o trabalho aos domingos e feriados em 12 atividades comerciais”, e cita uma lista delas. Ele diz ainda que não houve negociação patronal.
Em nota, a FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) diz ver com preocupação os efeitos da medida, por ferir a Lei de Liberdade Econômica, também editada no governo Bolsonaro, além de “aumentar a burocracia” nas relações de trabalho.
“A federação espera que, nos próximos dias, a norma seja modulada e que seus efeitos possam garantir segurança às categorias envolvidas, bem como às entidades representativas enquadradas nesses planos de atividade, além do mercado consumidor”, diz.
A CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) afirma que a nova regra desconsidera que certas atividades do comércio são essenciais e de interesse público.
Por haver regra específica na lei de 2020, sobre o trabalho no comércio, a confederação considera “que a portaria contribui para gerar um clima de insegurança jurídica”.
O principal argumento, no entanto, é sobre a dificuldade na geração de empregos.
Centrais sindicais rebatem, afirmando que não houve geração de empregos desde que a portaria 671 foi editada, mas houve abusos por parte de algumas empregas. Dizem ainda que os abusos serão coibidos e a negociação será privilegiada.
Para Patah, o argumento de que a portaria atual não é válida não poderá ser usado pela oposição, já que aceitaram a portaria de 2021 sem contestar.
Na nota, o Ministério do Trabalho fala ainda em “justeza da promoção da negociação coletiva” e explica que, como a portaria não pode alterar o que a lei estabelece, “foi necessária uma adequação ao texto legal sobre os feriados, não mudando nada em relação aos domingos”.
As atividades comerciais deverão observar agora o que diz a lei de 2020. Quem não cumpre as regras pode ser multado.
COMO É O TRABALHO NOS FERIADOS
Os profissionais que precisam trabalhar nos feriados podem receber hora extra em dobro caso não haja folga compensatória. A legislação brasileira proíbe o trabalho em feriados nacionais, mas há exceções, conforme as categorias e o tipo de atividade exercida, se é essencial ou não.
Dentre os setores considerados essenciais estão saúde, indústria, comércio, transporte, energia e funerário, entre outros.
Trabalhar e receber por esse dia é um direito, segundo especialistas.
CRISTIANE GERCINA / Folhapress