BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A vida do argentino nos últimos meses virou esperar. No geral, ninguém se arrisca a fazer grandes negócios ou tomar grandes decisões antes que se resolva, neste domingo (19), quem será o novo presidente do país. Isso porque o futuro do dinheiro da população depende de qual plano o vencedor aplicará. para conter uma inflação anual de 143%
Até agora, o governo peronista do impopular Alberto Fernández vem levando a situação com medidas paliativas, em um cenário no qual seu ministro da Economia, Sergio Massa, é candidato a sucedê-lo e, na prática, quem gere o país há alguns meses. Do outro lado, o deputado ultraliberal Javier Milei, que promete mudanças radicais.
O ex-professor de economia tem como principais propostas dolarizar a Argentina, eliminar o Banco Central e reduzir drasticamente o Estado. Já o peronista e político de carreira propõe continuidade, apostando na melhoria das exportações de alguns setores para conseguir mais dólares e segurar os preços.
Os dois, porém, ainda deixam muitas dúvidas sobre como vão equilibrar as contas sem antes empobrecer ainda mais uma população que vê seu salário derreter. Sob temor de desgaste, ambos evitaram, até aqui, anunciar um nome para o ministério mais importante da Argentina Massa afirmou apenas que chamará alguém de fora de sua força política.
Abaixo, veja o que cada um propõe para resolver a crise, em três principais eixos.
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1. INFLAÇÃO
Javier Milei
O plano de Milei é baseado no livro “Dolarização”, do economista Emilio Ocampo, anunciado como o homem que assumirá e fechará o Banco Central em seu eventual governo. Ele planeja um modelo de livre concorrência entre as moedas, como ocorreu em El Salvador, ou seja, que o peso continue coexistindo com o dólar moeda já bastante usada pelos argentinos até uma transição total.
Também defende que “nenhuma reforma monetária pode funcionar se não forem neutralizadas as duas fontes de impressão de dinheiro: o déficit fiscal [despesas públicas maiores que receitas] e o déficit quase fiscal”, a dívida interna do próprio Banco Central. O órgão vende títulos públicos aos bancos para retirar os pesos que ele próprio imprimiu de circulação e precisa pagar juros, gerando mais dívida.
Parte do plano de Milei consiste em comprar esses títulos (chamados de Leliqs) de volta, parar de imprimir dinheiro e depois liberar o comércio de dólares, hoje muito limitado. A principal crítica de diversos lados é que seria muito difícil colocar o plano em prática num país que tem baixíssimas reservas da moeda americana, por suas recorrentes crises e dívidas externas.
Sergio Massa
Massa costuma repetir que os quatro pilares de sua política econômica serão: equilíbrio fiscal, superávit comercial (mais exportações do que importações), competitividade cambiária (uma moeda forte) e redução de impostos. Ele tem dificuldades, porém, de convencer o eleitor de por que não fez isso enquanto já era ministro da Economia, no último um ano e três meses.
Geralmente ele se justifica citando a seca histórica que o país enfrentou até o início do ano, que derrubou as exportações do campo. O fim dessa seca, portanto, é uma de suas grandes esperanças para aumentar a produção no ano que vem e conseguir os dólares necessários para regularizar importações, pagar dívidas e ajustar as contas, freando a inflação.
Para isso, ele também aposta no setor mineiro, com as grandes reservas de lítio que começam a ser exploradas. No campo energético, conta com a conclusão do gasoduto que permitiria à Argentina deixar de importar gás e se abastecer dos recursos de Vaca Muerta, extensa formação geológica de gás de xisto. “O gasoduto e os oleodutos nos resolvem grande parte da macroeconomia”, afirmou.
2. GASTO PÚBLICO
Javier Milei
Milei promove o chamado “plano motosserra” no Estado, termo que sumiu de seu vocabulário desde que ficou atrás de Massa no primeiro turno e se moderou. Agora, um de seus focos é convencer as pessoas de que não vai cortar planos sociais, apesar de já ter dito, há alguns meses, que “quem recebe um plano deveria ir trabalhar”.
De qualquer forma, sua proposta continua sendo enxugar ao máximo a máquina pública, reduzindo os atuais 18 ministérios para 8 com a extinção de pastas como Cultura, Ciência e Tecnologia e Mulheres, e privatizando grandes empresas públicas como a petroleira YPF, a companhia aérea Aerolíneas Argentinas e a agência de comunicação Télam.
Sergio Massa
Massa também tem dito que quer reduzir os gastos, com “uma mudança profunda na administração pública, a unificação de empresas públicas” e “contratações do Estado mais eficientes”. Questionado pela Folha em outubro sobre como fará isso mantendo a política de subsídios, ele respondeu que já vem tirando “os subsídios dos que não precisam, mas protegendo os que, sim, precisam”.
“Um trabalhador argentino pagaria dez vezes mais no trem e sete vezes mais no ônibus se tirássemos o subsídio. Eles [Milei] propõem tirá-lo, eu proponho protegê-lo como uma forma de salário indireto. Até que não recuperem sua renda, os aposentados e trabalhadores argentinos não estão em condições de pagar dos seus bolsos”, declarou.
A responsabilidade fiscal é uma das principais metas que a Argentina tem que cumprir pelo empréstimo bilionário acordado com o FMI (Fundo Monetário Internacional) em 2018. Ambos os candidatos se comprometeram a pagar a dívida, apesar de Massa dizer que quer renegociar o programa porque o considera “inflacionário”.
3. ABERTURA ECONÔMICA
Javier Milei
Milei promete uma abertura comercial unilateral “à chilena” ao mercado mundial. Aposta que as reformas farão as empresas argentinas competitivas, o que hoje não são. Ele quer reduzir fortemente os impostos, diminuir taxas e direitos de exportação e eliminar tarifas de importação para insumos, ajudando o campo a “voltar a ser o celeiro do mundo”.
Apesar da vontade de se abrir, já afirmou que sairia do Mercosul e que deixaria de falar com os presidentes do Brasil e da China, mas que isso não afetaria as relações entre empresas. Coube à sua possível chanceler, Diana Mondino, dizer que a ruptura não seria tão brusca. Mas ela admite que um eventual governo Milei buscaria acordos de livre comércio fora do bloco sul-americano, o que é contra o estatuto.
Sergio Massa
Massa tem buscado se opor a Milei, dizendo que “a abertura da economia significa o fechamento de pequenas e médias empresas argentinas”. Romper com o Mercosul, o Brasil e a China , segundo a campanha, seria romper com os maiores parceiros comerciais do país, o que causaria a extinção de milhões de postos de trabalho.
O peronista coloca um peso grande em sua política externa como forma de conseguir os dólares de que tanto precisa, com três pilares: mais exportações de produtos com valor agregado (e não apenas manufaturas), mais investimentos estrangeiros e mais turismo. Assim como Milei, que vai eliminar as restrições para compra da moeda americana, em até 12 meses.
JÚLIA BARBON / Folhapress