Educadores elogiam inclusão da recuperação nas escolas de SP, mas criticam redução das artes

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Educadores consultados pela Folha elogiaram a inclusão de duas aulas semanais de recuperação na grade curricular das escolas de São Paulo, bem como a ampliação da carga horária de português e matemática, mas criticaram a redução das artes.

Reportagem publicada nesta sexta-feira (17) pela Folha revelou as mudanças curriculares definidas pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) para os currículos das escolas da rede paulista, do fundamental 2 (6º a 9º) e do ensino médio.

No ensino médio, além da ampliação de português e matemática e da redução de artes, houve também a extinção de matérias eletivas (optativas, que podiam ser criadas pelas escolhas) e a drástica diminuição no número de itinerários (parte do currículo que cada estudante escolhe para se aprofundar). Das 11 opções atuais, serão apenas duas (Linguagens/Ciências Humanas e Exatas/Ciências da Natureza).

“As mudanças, de modo geral, são positivas e estão alinhadas com o projeto de lei do governo federal que altera o novo médio, bem como com as melhores práticas internacionais”, afirma o pesquisador brasileiro Guilherme Lichand, professor de educação na Universidade Stanford (EUA), doutor em política econômica e de governo por Harvard, que estuda políticas educacionais em diferentes países.

“Ter poucos itinerários é a característica definidora do ensino médio de países com baixa evasão e bom desempenho no Pisa [principal avaliação internacional de alunos]”, afirma. “Mas, além disso, esses países têm entre 40% e 50% de alunos em ensino técnico. São Paulo precisa ampliar o ensino profissionalizante.”

Atualmente, segundo a secretaria de educação, apenas 100 mil alunos, dos cerca de 1,5 milhão matriculado no ensino médio, estão em cursos profissionalizantes.

Lichand destacou a inclusão da recuperação de matemática e português na grade curricular do 6º ao 9º ano. “Desde que as aulas presenciais voltaram, depois da pandemia, o déficit de aprendizagem vem sendo ignorado no Brasil”, afirmou. “Agora o MEC está se mobilizando para lançar iniciativas de recuperação, e é ótimo que uma rede grande como a de São Paulo esteja se movimentando nesse sentido.”

Ele ponderou apenas que é preciso ter cuidado com a ideia de dividir as turmas em três níveis de proficiência, para que cada aluno siga um programa diferente no computador. “Por um lado, políticas assim mostram alguns sucessos relevantes. Mas é ideal que haja uma ‘reinturmação’ várias vezes no ano, ou seja, que os alunos sejam testados para que possam ir mudando de nível conforme avançarem”, explicou.

“Essa mudança de nível é importante para evitar riscos de estigmas dos estudantes que ficam no nível mais baixo. Isso pode acabar desarticulando essa política.”

Especialista em formação de professores de matemática e integrante do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, Katia Smole também comemorou a inclusão da recuperação na grade curricular. “Esse é um ganho gigante”, afirmou a educadora, que já foi secretária de Educação Básica do MEC e é diretora do Instituto Reúna.

“As avaliações mostram o tamanho do déficit em português e matemática. É um problema a ser resolvido, e São Paulo dá exemplo ao propor uma solução.”

Sobre a redução de itinerários do novo currículo do ensino médio, Smole disse que “eram ajustes que precisavam ser feitos”. Mas ponderou: “Apenas dois itinerários parece pouco. Senti falta, por exemplo, de um que integrasse Exatas com Ciências Humanas”. Ela afirmou ainda ter sentido falta de “um fio condutor” no currículo, que parece mais “uma justaposição de disciplinas, não necessariamente integradas.”

A educadora afirmou também que a Secretaria de Educação precisa deixar claro como fará com os alunos que vão para o 3º ano em 2024 e que, portanto, estudaram dois anos com o currículo que será extinto. “Nenhum daqueles itinerários feitos por eles foi preservado, e a secretaria precisa explicar como fará essa adaptação.”

Smole foi especialmente crítica à redução das aulas de artes. “Temos acompanhado estudos internacionais a respeito da infância e da adolescência que mostram a importância das aulas de artes, bem como as de educação física, no desenvolvimento integral do aluno”, afirmou. “Especialmente no momento que vivemos, é preciso equilibrar um lado mais racional do currículo, que exerce pressão sobre o estudante, com conteúdos ligados ao bem-estar, à criatividade, à empatia, à afetividade.”

Em projetos que a educadora desenvolve para escolas, “o trabalho é para aumentar o espaço para artes, não reduzir”. “Não podemos olhar para educação só com números.”

Escritora de literatura infantil e autora de mais de 40 livros, entre eles “Lá Vem História” (Companhia das Letrinhas) e “A Princesa que Não Queria Aprender a Ler” (FTD), Heloisa Prieto afirmou que “diminuir o espaço para a prática e aprendizado das artes equivale a uma forma de aprisionamento e exclusão dos alunos da rede pública”. “É estratégia para sedimentar ainda mais as diferenças sociais, sem mencionar a sonegação consciente do registro e exercício de expressões criativas”, afirmou. “Sob o pretenso manto do bom senso, inserem-se medidas de extrema violência.”

LAURA MATTOS / Folhapress

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