BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS0 – Hotéis, pousadas, mercadinhos, laboratórios de análise, centros comerciais, galpões de logística, grandes restaurantes e pequenas indústrias. É extensa a lista de negócios que já podem escolher se querem continuar ligados na distribuidora ou migrar para o chamado mercado livre de energia.
A mudança começa a valer em 1º de janeiro do ano que vem, mas os interessados já podem dar início ao processo.
Nesse mercado é possível escolher de quem comprar a energia, por quanto tempo e que tipo de energia. Se quiser, pode comprar apenas fontes renováveis. Para incentivar a migração, as empresas que atuam nesse negócio oferecem descontos de 10% e 35%.
Para o mundo dos negócios com energia, a nova regra é histórica, afirma Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel (Associação dos Comercializadores de Energia Elétrica).
“Temos brincado que agora vamos ter um mercado de atacarejo na área de energia. A gente sai de 30 mil unidades consumidoras no mercado livre para um potencial de quase 200 mil”, afirma Ferreira. Em outubro, a entidade lançou uma cartilha sobre o tema para orientar quem tiver interesse na mudança.
Especialistas do setor avisam que é fundamental entender que, ao optar pelo mercado livre, a vida da empresa muda radicalmente. Vai da completa comodidade para uma ampla flexibilidade, com benefícios e riscos.
A legislação que viabilizou o mercado de energia no Brasil é do final dos anos de 1990. Nesses quase 30 anos, no entanto, foram autorizados a ingressar no segmento apenas grandes consumidores, como montadoras, redes de supermercados, indústrias de papel e de minérios.
Tecnicamente falando, são os maiores consumidores do grupo A, de alta e média tensão (A1, A2 e A3), com conta de luz acima de R$ 140 mil e consumo maior que 500 kW (kilowatts).
Agora, podem ingressar as demais empresas do grupo A, enquadradas como A4, com conta de luz acima de R$ 10 mil e demanda inferior a 500 kW. A mudança está regulamentada na Portaria 50, de 2022, do MME (Ministério de Minas e Energia).
Essas empresas não poderão comprar energia diretamente. Serão representadas por um agente varejista. Empresas de diferentes portes e setores estão entrando no mercado para atuar como comercializadora varejista. Hoje, atuam no país 515 comercializadoras e 87 comercializadoras varejistas.
O varejista também representa o consumidor na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), órgão que reúne todos os integrantes do setor, sejam livres ou cativos, e acompanha os contratos e as transações.
O consultor Ricardo Lima, que atuou em diferentes entidades e diretorias de empresas do setor, recomenda detalhismo na escolha do parceiro e na assinatura do contrato.
“Precisa selecionar bem porque o consumidor vai entregar a gestão do custo de energia para esse terceiro. As relações contratuais também dever ser bem claras e definidas: quem vai ser responsável pelo quê”, diz Lima.
“No mercado livre, é preciso aportar garantias para as transações e cumprir várias obrigações na CCEE. Se o comercializador não cumprir essas obrigações, a responsabilidade final é do consumidor.”
Lima também destaca que um extrato de contabilização do consumo mensal tem cerca de cinco páginas e mais de cem itens, que variam todo mês, mesmo que o consumidor compre a mesma quantidade de energia.
“Encargo de sistema, rateio de inadimplência, essas coisas ocultas na tarifa vão ficar claras para o consumidor. Ele vai ver que paga separado pela energia e pelo uso do fio. Ainda que a comercializadora cuide de tudo isso, o consumidor final precisa minimamente se informar pelo que está pagando”, diz Lima.
Saber quanto custa cada item também auxilia na negociação do valor da energia. Para atrair clientes, as comercializadoras estão oferecendo descontos em relação à tarifa da distribuidora, e também produtos e serviços adicionais. É preciso saber pesar.
Só depois de acertar esses detalhes é que o consumidor deve notificar a distribuidora que desejar se retirar. O aviso, conhecido como “denúncia do contrato”, deve ocorrer com seis meses de antecedência.
A Metalinox Cogne, subsidiária de uma empresa italiana que produz aços inoxidáveis especiais em uma indústria localizada no bairro Ipiranga, na capital paulista, cumpriu esse caminho e está pronta para a migração.
O CEO Gilberto Gonzales conta que a redução do custo foi importante na decisão, mas sua prioridade é a compra de energia limpa. Ele mira selos verdes como o I-Rec (termo em inglês para certificado internacional de energia renovável).
“Minha matriz está alinhada com princípios da sustentabilidade e já fazia um tempo que buscava alternativas de fornecimento de energia limpa no Brasil”, afirma Gonzales, que fechou contrato no mercado livre para comprar só energia renovável.
“Eu acredito que, em um futuro bem próximo, as empresas vão ser cobradas a ter I-Rec, por exemplo, e eu vou me antecipar, apresentando esse plus antes dos concorrentes.”
As comercializadoras também se preparam. Reforçaram investimentos em tecnologia e na contratação de agentes comercializadores, aquele “pastinha” que vai bater na porta de empresas de todo o país para explicar o mercado livre.
A 2W Ecobank chegou a investir em geração renovável. Construiu dois parques eólicos. Passou os últimos quatro anos atraindo empresas maiores que ainda não tinham entrado no segmento e novos geradores para esse cliente. Com a nova regra, foi a campo captar as empresas médias. Se preparou para oferecer serviços adicionais. Pode instalar um carregador de carro elétrico, por exemplo.
Tem dado certo. Já são mil novos clientes nessa nova leva.
“O trabalho tem sido quase educativo. Quando você fala com esse novo cliente potencial, a primeira confusão é ele achar que mercado livre é aquela empresa de comércio elétrico”, conta o CEO da 2W, Claudio Ribeiro.
A Esfera também está desbravando o segmento. Foi criada em 2015 para assessorar consumidores a entrar no mercado livre. Seus clientes negociam cerca de 7% da energia do país. Com a nova regra, se organizou para atuar como varejista e causou surpresa ao colocar na televisão um comercial sobre as vantagens do mercado livre protagonizado pelo ator Lázaro Ramos.
“A gente entendeu que agora está conversando com os donos das empresas, e a compra da energia para ele será como a dos outros insumos”, explica Braz Justi, CEO da Esfera, que trabalhou na CCEE antes de fundar a empresa.
“Então, buscamos alguém que pudesse nos apresentar para o Brasil e que também representasse o Brasil. Obviamente, estamos marcando território, pensando na nova fase, que deve vir até 2028, e vai levar o mercado livre aos consumidores residenciais.”
Não existe uma data marcada para o mercado livre ser aberto ao grupo B, de baixa tensão, onde estão consumidores residenciais e a maioria do comércio e da indústria. Para que isso ocorra, antes será necessário mudar a lei e redefinir o papel das distribuidoras.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress