Filme sobre Nelson Pereira dos Santos se perde em tanta correria

FOLHAPRESS – Fazer uma cinebiografia documental não é difícil. Ainda mais no modelo que domina o cinema contemporâneo: entrevistas com imagens de arquivo. Tem que errar muito para ficar ruim. O difícil é fazer com que seja especial.

“Nelson Pereira dos Santos: Vida de Cinema”, de Aida Marques e Ivelise Ferreira, tem uma série de imagens dos filmes desse diretor, e elas se defendem sozinhas. Mas não tem algo que o torne diferente de tantas outras cinebiografias –boas de se ver por causa dos biografados, mas pouco memoráveis enquanto cinema.

Temos uma cronologia da carreira desse grande cineasta, sem dúvida um dos maiores do país. Passamos, inicialmente, pelos filmes que procuraram uma experiência similar à do neorrealismo italiano em solo brasileiro, mais precisamente no Rio de Janeiro, no belíssimo “Rio 40 Graus”, de 1955, e na obra-prima “Rio Zona Norte”, de 1957.

Vamos, de forma didática, para a fase de confirmação do cinema novo, culminando com o essencial “Vidas Secas”, de 1963, baseado em livro de Graciliano Ramos. Nelson torna-se conhecido como um diretor de adaptações, tendo rodado anteriormente “Boca de Ouro”, de 1962, a partir da obra de seu xará Nelson Rodrigues.

Após “El Justicero”, de 1967, embarca nos filmes do exílio voluntário em Paraty, entre 1968 e 1972, fase experimental de quatro longas controversos, mas sempre valiosos, com destaque para o primeiro deles, “Fome de Amor”, de 1968, com Leila Diniz.

Nesse momento, o filme de Marques e Ferreira embaralha os quatro longas de modo a colocá-los dentro da redoma da transgressão, o que não é errado, mas perde um pouco as particularidades de cada um, resumidas ao máximo em recortes de jornais e cenas escolhidas aparentemente sem muito critério.

Em 1974 surge o “O Amuleto de Ogum”. Entra então na fase, digamos, oficial, de um cinema brasileiro bancado diretamente pelo estado, ou seja, pela ditadura militar. A Embrafilme, antes apenas uma distribuidora, começa a desempenhar outras funções, incluindo a de produção dos filmes. O cinema brasileiro vive um grande momento.

A fase, por sinal, é muito boa, com filmes que buscam uma veia mais popular sem abandonar uma ambição estética: “Tenda dos Milagres”, nova adaptação, desta vez de Jorge Amado, longa de 1977, “A Estrada da Vida”, de 1980, com a dupla de sucesso Milionário e José Rico, e a nova adaptação de Graciliano Ramos, o fenomenal “Memórias do Cárcere”, de 1984.

O documentário começa a perder o fôlego conforme os filmes avançam, um problema já observado em outras produções do tipo, como o “De Palma” de Noah Baumbach e Jake Paltrow. Mas até o bem-sucedido “Memórias do Cárcere” ainda havia espaço para alguma reflexão, normalmente surgida indiretamente pelas imagens e declarações recuperadas.

O que vem depois é quase deixado de lado. Uma montagem abrevia tudo que o cineasta fez a partir do injustiçado “Jubiabá”, de 1987, filmado durante a decadência da Embrafilme, que logo seria fechada, decretando um período terrível do cinema brasileiro.

Não há quase nada de novo para quem conhece a obra de Nelson Pereira dos Santos e as histórias em torno delas. Não há muita análise estética, tampouco um pensamento mais elaborado sobre a importância dos filmes para o cinema brasileiro em suas etapas históricas.

Nos momentos em que isso acontece, notadamente em “Vidas Secas” e em Tenda dos Milagres”, o filme cresce, torna-se algo maior do que estamos acostumados a ver nesse formato. Já o também essencial “O Amuleto de Ogum” ficou claramente prejudicado pelo corre-corre documental.

Em parte, o documentário acaba sendo uma espécie de Wikipédia em imagens, um festival de informações visuais sem reflexões para acompanhá-las. Um trabalho mais jornalístico, ainda que estendido, do que cinematográfico.

Pelos momentos que escapam desse formato, o filme merece ser visto. Fica nítida, contudo, a impressão de que é possível arriscar um pouco mais quando se trata de um biografado como Nelson, habituado a saltos sem rede de proteção.

NELSON PEREIRA DOS SANTOS: VIDA DE CINEMA

Avaliação: Bom

Onde: Nos cinemas

Classificação: Livre

Produção: Brasil, 2023

Direção: Aída Marques, Ivelise Ferreira

SÉRGIO ALPENDRE / Folhapress

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