SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Quando o anime “Scott Pilgrim: A Série” foi anunciado pela Netflix, levantou-se a dúvida sobre a necessidade disso. A série original em quadrinhos criada por Bryan Lee O’Malley em 2004 era um reflexo de seu tempo, e trazia a história do jovem Scott Pilgrim, que precisava enfrentar a Liga dos Ex-Namorados de Ramona Flowers pelo direito de namorá-la.
Ainda há espaço para uma história com uma premissa tão machista em pleno 2023? Felizmente a resposta é não, e o próprio criador teve a chance de atualizar sua trama em uma das animações mais interessantes lançadas pela Netflix.
Para começar, o anime não é uma adaptação da série em quadrinhos e muito menos do filme, e sim uma reimaginação da história. Sabe quando Hideaki Anno lançou os filmes de “Rebuild of Evangelion” recontando a trama original, porém promovendo modificações no decorrer do caminho até chegar em uma história inédita (e, de certa forma, ainda sendo uma continuação do anime original)? É mais ou menos isso que vemos em “Scott Pilgrim: A Série”.
Aqui não vamos acompanhar a história de um rapaz desafiando os ex-namorados de seu interesse amoroso para ter o direito de namorá-la, e sim a trama de uma garota que precisa investigar o desaparecimento de seu interesse amoroso. No meio dessa apuração, Ramona percebe que precisa encontrar um fechamento na relação com seus exs para enfim poder se conectar com Scott Pilgrim.
Essa pequena mudança causa uma transposição total na história original e a deixa “Scott Pilgrim: A Série” mais condizente com o que se discute hoje em dia, além de dar um toque mais dramático. Os personagens muitas vezes são pegos em diálogos expondo suas inseguranças e intimidades, e a trama consegue aprofundar personagens que passaram despercebido na série original.
Inclusive peço desculpas aos fãs do filme, mas este anime da Netflix parece ser a produção audiovisual que melhor captou a estética da série. O original sempre foi uma caldeirão de referências, e o anime soube adaptar isso com cenas maravilhosas. Produzido pelo Science Saru (o mesmo do amado “Devilman Crybaby”), o tom de “Scott Pilgrim: A Série” é 100% animação japonesa.
Quando os personagens estão conversando até temos tomadas criativas, mas o destaque está nos combates. Aqui o estúdio arregaçou as mangas e produziu lutas muito inventivas, seja simulando um jogo de luta ou então fazendo Ramona e sua ex brigarem em uma sucessão de cenários de filmes. A porradaria em Scott Pilgrim nunca foi tão bonita.
E não tem como não elogiar o elenco de atores de voz desse filme. Boa parte do elenco do filme original retornou para dar voz aos personagens do anime, ou seja, temos Michael Cera como Scott, Mary Elizabeth Winstead como Ramona Flowers e por aí vai. Eles até conseguiram trazer Chris Evans e Brie Larson para reviver suas interpretações de Lucas Lee e Envy Adams! Caso opte por ver com a dublagem brasileira, o estúdio TV Group Digital tomou o cuidado de convidar boa parte dos dubladores do filme de 2010. Em qualquer idioma, o aspecto nostálgico que é fundamental para a série estará intacto.
Mas essa necessidade de se conectar à obra do passado tem seu preço, pois o defeito de “Scott Pilgrim: A Série” é essa obrigatoriedade de conhecer o material original. A guinada na história protagonizada por Ramona Flowers só tem esse poder surpreendente nos fãs que conhecem a história original, para os demais não há tanta surpresa assim ao ver a reviravolta no final do primeiro episódio. E o fato do filme nem ao menos estar disponível em serviços de streaming no Brasil dificulta ainda mais quem quiser conhecer o original para curtir o anime depois.
E embora alguns fãs mais chatinhos já estejam na internet demonizando o anime por mudar a história que tanto amavam décadas atrás, vamos lembrar que o quadrinho continua disponível e o filme continua intocável. Lamentar que “Scott Pilgrim: A Série” é diferente do original parece bobo, quando podemos apreciar que temos uma “releitura alternativa” de um universo que tanto curtimos.
Redação / Folhapress