A onda de calor histórica das últimas semanas provocou alta de até 40% nos atendimentos de crianças e idosos em hospitais de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e do Espirito Santo por sintomas associados à desidratação.
A exposição ao calor mais quente do que a média compromete a capacidade do corpo de regular a temperatura e podem gerar mal-estar, exaustão, insolação e hipertermia, além da desidratação ocasionada pela maior sudorese.
Em Minas Gerais, a central de leitos da Unimed-BH registrou aumento de 30% de internações de idosos decorrentes das altas temperaturas. Nos pronto-atendimentos, o crescimento chegou a 40%, especialmente no grupo acima de 80 anos.
No maior hospital pediátrico do país que atende ao SUS, o Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR), quadros de febre, vômito e desidratação associados ao calor têm sido as principais causas de busca pelo pronto-atendimento desde o início do mês.
Foram 274 casos até esta quarta (22), dos quais 13 precisaram de internação. Não é possível comparar os registros com outros períodos porque as estatísticas anteriores somam também casos de vômitos e desidratação não associados ao calor, como os relacionados a vírus, por exemplo.
Na semana passada, uma da criança de 11 meses que morava na região de metropolitana de Curitiba morreu por desidratação. “Ela apresentou uma evolução [negativa] muito rápida em um período de 48 horas”, explica a pediatra Simone Borges da Silveira, do Pequeno Príncipe.
A médica diz que o hospital tem reforçado o alerta aos pais para que procurem ajuda médica rapidamente se a criança não conseguir reter líquidos devido aos vômitos. “Principalmente em crianças abaixo de um ano, a evolução pode ser em questão de horas.”
A menina Lara Helena Claudino Lemes, 5, foi internada devido à desidratação. A mãe Jeane Luana Claudino conta que no feriado do último dia 15 a filha acordou bem mas, depois do almoço, apresentou sonolência, “ficou mais caidinha”.
“Não quis mais brincar e começou a reclamar de dor abdominal. Perguntei se ela queria comer, ela disse que não. Meia hora depois eu dei um lanche e ela começou a vomitar e sentir dores abdominais.”
Levada ao pronto-atendimento, Lara recebeu medicação e hidratação e foi liberada. No dia seguinte, porém, o quadro piorou. Veio a febre e a diarreia, e a menina foi internada. A previsão é que ela tenha alta nesta quinta (23).
“Desde ontem [terça], ela já está comendo, se alimentando, tomando bastante água e voltou a ser uma criança normal, de brincar e correr pelo hospital se deixar.”
Segundo a mãe, a criança não gosta de beber água. “A gente fica em cima pra tomar em casa e na escola. A gente manda a garrafinha, mas tem que ficar em cima porque, se deixar por conta dela, ela não toma.”
A pediatra Simone Silveira diz que, por mais que os pais tentem uma hidratação caseira nos quadros de vômito, há casos em que a ingestão de líquidos não será suficiente para a reposição.
“É preciso hidratação endovenosa e, algumas vezes, a reposição dos eletrólitos perdidos na desidratação.” Eletrólitos são minerais responsáveis pelo transporte de água dentro das nossas células e também pelos impulsos elétricos do nosso corpo.
Os sintomas mais comuns de desidratação são câimbras, tonturas, dor de cabeça e enjoo. Quando o corpo perde a capacidade de termorregulação, um quadro mais grave, podem ocorrer sintomas de vômitos, hemorragias, alterações de consciência, desmaios, disfunção de múltiplos órgãos e até risco de morte.
De acordo com sondagem da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), em hospitais privados da região de Curitiba, também houve alta de cerca de 15% nos atendimentos de idosos em razão das altas temperaturas os números absolutos ainda não estão consolidados. No Espírito Santo, ocorreu aumento médio de 10% nos atendimentos dessa população.
Em São Paulo, os hospitais Albert Einstein, Sírio-Libanês, Oswaldo Cruz e Hcor informaram que não observaram aumento de atendimentos diretamente relacionados ao calor.
Já o Hospital Nipo-Brasileiro, na capital paulista, atribui às altas temperaturas um aumento médio de 15% dos atendimentos nos prontos-socorros infantil e de adultos.
Segundo Antônio Carlos Nogueira, coordenador do pronto-atendimento do hospital, as principais queixas relacionadas estão relacionadas à hipertermia, ou seja, quadro em que as reações metabólicas estão alteradas porque o organismo não consegue mais regular a temperatura corporal. Entre os sintomas estão mal-estar, vômitos, queda de pressão arterial, tontura e desmaios, fraqueza e dor de cabeça.
A desidratação pode trazer implicações principalmente para o coração, que, para compensar esse quadro, manda mais sangue para o corpo, aumentando a frequência cardíaca.
Um estudo de 2021 publicado na revista internacional The Lancet, com dados sobre EUA, China e Brasil apontara que o clima quente aumenta o risco de morte em pacientes com doença cardíaca isquêmica, acidente vascular cerebral, cardiomiopatia e miocardite, hipertensão, diabetes, doença crônica, doença renal, infecção respiratória inferior.
Problemas prévios do trato respiratório e dos rins também podem ser agravados nos períodos de alta de temperatura, segundo uma pesquisa feita na Alemanha.
Nogueira orienta que, quando o corpo não consegue diminuir a temperatura, é necessário o resfriamento mecânico com o uso de tecidos molhados, pacotes de gelo e uso de líquidos gelados.
Segundo Último Libânio da Costa, clínico-geral e cooperado da Unimed-BH, em relação aos idosos, é preciso que os familiares e os cuidadores estejam atentos a sintomas como tonturas, confusão mental e fraqueza generalizada nesses períodos de altas temperaturas.
O médico diz que os idosos têm reserva metabólica menor, e o seu organismo, uma capacidade de adaptação reduzida. “A oferta de água deve ser alternada com o de outros líquidos, como chás, isotônicos e sucos, desde que não haja a contraindicação clínica.”
Entre os idosos, o consumo exclusivo de água pode levar uma redução dos níveis de sódio no sangue. O médico também chama a atenção para as medicações de uso contínuo, como diuréticos de alta potência. “Uma pequena perda de líquido ou a redução da ingestão pode desencadear a descompensação de doenças pré-existentes.”
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress