Enquanto pessoas saudáveis queimam mais energia durante o dia, quem tem obesidade é mais propenso a gastá-la à noite, durante o sono, mostra um novo estudo publicado na revista científica internacional Obesity.
Segundo os autores, a dificuldade em queimar calorias à luz do dia pode ser tanto a causa quanto uma consequência da doença.
Para Maria Rita Marques de Oliveira, professora do Instituto de Biociências de Botucatu da Unesp, os resultados reforçam a necessidade de regular o sono como parte de uma abordagem completa de prevenção e tratamento da obesidade. Além disso, levar em consideração o tempo circadiano do paciente pode ser uma estratégia a ser adotada por médicos para aumentar a eficácia das intervenções.
O ciclo circadiano do nosso corpo é ditado pelos nossos hábitos de sono. Enquanto dormimos, ocorrem uma série de regulações metabólicas que visam especialmente a reparação do organismo. O consumo de energia e o controle da glicose estão entre os processos que são afetados pela nossa rotina de descanso.
Tentando conhecer melhor essa relação, pesquisadores dos Estados Unidos recrutaram 30 pessoas, com ou sem obesidade, para um experimento de cinco dias em uma clínica no estado americano do Oregon. Os voluntários foram submetidos a um protocolo de “dessincronia forçada”, durante o qual receberam uma dieta padronizada. Na primeira noite internados, puderam dormir suas oito horas naturais.
A partir de então, pelos próximos três dias, passaram a alternar cinco horas de sono em completa escuridão com cinco horas acordados em luz fraca, durante as quais faziam suas refeições e realizavam 15 minutos de pedalada, sempre sob monitoração de uma equipe técnica. Durante o período, foram submetidos a uma série de exames para acompanhar o seu consumo energético e níveis de glicose.
Depois, os dados das pessoas obesas e indivíduos sem a condição foram comparados. Nos resultados, pessoas com obesidade apresentaram um nível maior de insulina durante o dia, que leva a uma menor queima de calorias. A insulina é responsável por transportar a glicose do sangue para o interior das células. A presença de gordura, especialmente localizada nas vísceras, atrapalha este processo.
Por esta razão, os autores do estudo concluem que os altos índices de insulina estão relacionados com o menor consumo de energia. Como o excesso dessa substância pode contribuir ainda mais para a obesidade, o ciclo é retroalimentado. Josemar de Almeida Moura, médico e professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), explica que esses pacientes, de modo geral, já têm uma resistência ao hormônio, mas faz uma ressalva: o ciclo da insulina está associado à ingestão de alimentos, e não ao sono.
Outro resultado mostrado pela pesquisa é a maior queima calórica de pacientes obesos durante a noite, em relação àqueles saudáveis. Os dados levantam novas questões ainda não respondidas, mas os autores concluem, preliminarmente, que pode haver uma dificuldade do corpo dessas pessoas em adaptar as funções metabólicas ao dormir.
Existem outros fatores diretamente ligados ao ciclo circadiano que podem ter impacto sobre o acúmulo de gordura no corpo. Segundo um estudo publicado este ano na revista Nature Reviews Endocrinology, a privação de sono aumenta o gasto calórico diário em 100 kcal, mas faz também com que a pessoa consuma 250 kcal por dia a mais em alimentos do que aqueles que passam uma noite bem dormida. O saldo final, portanto, leva ao ganho de peso. Além disso, noites mal dormidas influenciam as escolhas alimentares, afirmam os especialistas do artigo, e podem piorar a qualidade das refeições.
O trabalho também destaca o papel de hormônios ligados tanto ao apetite e saciedade quanto ao ciclo circadiano: em outro estudo, publicado na revista Obesity, os níveis de hormônio ligado à saciedade reduziram, enquanto aqueles ligados à fome subiram, com impacto ainda maior em pessoas obesas.
Os especialistas concordam que melhorar as noites de sono não basta. O hábito ajuda na medida em que é combinado com outras práticas, especialmente uma alimentação adequada e a prática regular de exercícios físicos.
ACÁCIO MORAES / Folhapress