Mostra de Cinema de Gostoso reflete momento difícil do cinema brasileiro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem pensar que a Mostra de Cinema de Gostoso, que chega à sua décima edição este ano, entre 24 e 28 de novembro, é apenas um evento secundário no litoral turístico do Rio Grande do Norte pode estar se enganando feio. Para se ter uma ideia, este ano o festival teve de selecionar os longas a serem exibidos no evento entre nada menos que 194 títulos.

A proporção entre os curtas não é tão diferente. Sinal de que o cinema brasileiro está produzindo muitos filmes e de que muito poucos chegam às salas de exibição. Isso pode apontar para desde um problema de hipertrofia da produção como para um gargalo muito apertado, desde que a exibição de filmes nacionais não conta atualmente com nenhuma garantia de cota de tela.

Bem, quatro longas passarão em Gostoso, isso é certo. Um deles é “O Dia que Te Conheci”, o novo filme de André Novais Oliveira, o líder da Filmes de Plástico, formidável produtora da cidade de Contagem, de Minas Gerais, e um dos dois ou três principais autores brasileiros no momento.

O filme já ganhou o prêmio da crítica na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e reitera o estilo minimalista de Novais. Ele trabalha com poucos personagens, poucas locações, pequenos problemas do cotidiano —aqui, um jovem bibliotecário que sofre de insônia e é demitido por causa dos sucessivos atrasos, sendo consolado pela secretária do colégio onde trabalhava.

“Estranho Caminho”, de Guto Parente, chega de Nova York com uma penca de prêmios obtidos no Festival de Tribeca. Aceitemos que premiações são um tanto arbitrárias, mas quando se leva os troféus de melhor filme, roteiro, fotografia e ator, convém dar uma olhada cuidadosa.

Muito antes disso, aliás, já valia a pena dar uma olhada cuidadosa no trabalho do cineasta. Se seus primeiros trabalhos não me impressionaram muito, Parente me impressiona muito desde “O Clube dos

Canibais”, de 2018, onde —com pequeno orçamento e uma direção de atores notável— expôs com humor e horror a banalidade, a hipocrisia e o subdesenvolvimento de parte da elite nacional.

Completam o programa de longas “Quando Eu Me Encontrar”, de Amanda Pontes e Michelline Helena e “Saudade Fez Morada Aqui Dentro”, de Haroldo Borges. O primeiro também é cearense, o segundo vem da Bahia.

Ou seja, três dos quatro longas são produções nordestinas, o que é bom para lembrar que o cinema brasileiro contemporâneo praticamente renasceu no Nordeste, em Recife mais precisamente, com “Baile Perfumado”, de 1996.

“Saudade Fez Morada Aqui Dentro” é o segundo longa solo de Haroldo Borges, que chega a Gostoso levando alguns prêmios obtidos em festivais internacionais, e atesta o surgimento de uma nova geração,

que viria disso que alguns já chamam de “nova retomada”. Espera-se que seja melhor que a anterior, que no geral foi de amargar.

Todas essas produções atestam ainda a dupla catástrofe que se abateu sobre a produção cinematográfica nacional nos últimos anos, com a pandemia de 2020 e um governo que se propôs como tarefa central a liquidar a cultura em geral e o cinema em particular, entre 2019 e 2022.

Para falar com franqueza, o atual não tem se preocupado muito com o assunto: trata o cinema com civilidade, solta uns editais, não atrapalha a vida de ninguém, mas não dá sinais de queimar cartuchos pelo que é essencial: a cota de tela —para presente e futuro— nas salas e nos streamings. É essencial também cuidar da preservação —ou seja, da história—, mas isso depende também dos cineastas, o que complica tudo —num belo artigo na Ilustríssima, Ana Maria Magalhães tratou do assunto.

Em outras palavras: o fato de acontecer numa bela praia do Nordeste, com tela montada ao ar livre, na areia, não faz de Gostoso um festival fútil. Haverá, ainda, a sala Petrobrás, com projeção em DCP e tecnologia de som avançada, num domo geodésico.

Aliás, os organizadores se empenharam em convidar produtores e distribuidores, nacionais e europeus, para troca de ideias e, se possível, de negócios —afinal, outra frente importante do evento são os cursos de formação, que especializam os locais para a produção audiovisual há anos. São apenas quatro dias, mas tendem a ser intensos.

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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