PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Paraty é uma festa, mas o salão principal da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) já foi mais disputado. Um ou outro nome até empolga mais, com Itamar Vieira Junior e Natalia Timerman no pódio das citações, mas prevalece entre público, editoras e até escritores escalados para a programação oficial um sentimento de desânimo.
Cinco editores de selos diversos disseram à reportagem que a lista deste ano não entusiasmou. Muitos se planejaram para assistir a no máximo três dessas mesas.
Um deles pondera: se a ideia era dar voz a escritores subrepresentados, divulgar autores fora do circuito mainstream, valeria reduzir o preço do ingresso, de R$ 130 para cada encontro. Sim, tem um telão para quem quiser acompanhar do lado de fora. Mas a graça não é a mesma.
Ao menos um alento: o sociólogo Túlio Custódio, que vai lançar pela Todavia um livro sobre Abdias do Nascimento, confessa que desta vez não se sente nocauteado “pela sensação de Fomo”. A sigla para “fear of missing out”, o medo de estar perdendo algo, resume aquela ansiedade por não conseguir acompanhar tantas coisas legais acontecendo ao mesmo tempo.
“Idealmente”, diz Custódio, que falará na Casa da Favela, “a programação oficial é o condutor do evento como um todo”. Não é o que vê acontecer em 2023. Reflete se os R$ 130 cobrados para escutar de perto os autores explica em parte o desapego do pessoal. “Acho isso um pouco estranho, mesas caras e não tão atrativas assim.”
O espaço tem 500 lugares. De acordo com a organização, 25% das mesas haviam esgotado.
Enquanto a primeira delas na quinta (23) reuniu menos de 100 pessoas, a conversa de estreia organizada pela Flipei (Festa Literária Pirata das Editoras Independentes) juntou mais de 300. “Nossa programação é mais jovem, mais pujante e atrai mais gente porque envolvemos diretamente editoras independentes e movimentos sociais para determinar que autores trazer”, diz Cauê Ameni, o organizador.
Para Priscilla Azevedo, do Fórum de Comunidades Tradicionais de Paraty, a lista oficial “é totalmente elitista”, e grande parte da população local prefere casas paralelas.
A psicopedagoga Larissa Goldstein comprou entrada para três mesas, mas admite que nem lembra o nome dos palestrantes, fora o da escritora e psiquiatra Natalia Timerman. Sua primeira Flip, em 2010, teve Salman Rudshie e homenageou Isabel Allende, que passou por Paraty. É até covardia comparar, diz. “Foi um arraso.”
O universitário Gustavo Amaral revive um meme para descrever o que achou da lista de convidados deste ano: “Chocha, capenga, manca, anêmica, frágil e inconsistente”. Foram adjetivos que a defesa de Michel Temer usou para rebater uma acusação judicial contra o então presidente em 2017, e que eletrizaram as redes sociais quando lidas pela âncora Renata Vasconcellos no Jornal Nacional.
Amaral primeiro morde para depois assoprar. Pagou para estar no papo com Itamar Vieira Junior, no domingo (26). “Exagerei. Tem coisa boa. Mas tá mais fraca do que em outros anos, isso não dá pra negar.”
Será mesmo? Tatiana Eskenazi, que na quinta (23) participou do debate “poesia não é um luxo”, na Livraria das Marés, propõe olhar por outro ângulo. “Pra poesia brasileira, esta Flip está sendo algo inédito e importantíssimo. A poesia sempre ficou de fora, em terceiro plano.”
Estarão na tenda central nomes como Angélica Freitas, Bruna Beber e Lubi Prates.
Ainda assim, quase todo mundo que conversou com a reportagem se mostrou saudosista de Flip passadas. De, por exemplo, esbarrar pelas ruas de pedra do centro histórico com autores internacionais que pensavam ser inacessíveis. Karl Ove Knausgard viver uma dieta de cafés, cigarros, pizza marguerita e sorvetes de pistache, chocolate e chiclete, Teju Cole se espantar com a falta de diversidade em plateias e palcos, Gay Talese beber caipirinha por aí, Annie Ernaux e Stevlana Aleksiévitch chegarem com o prestígio de um Nobel de Literatura nas mãos.
Fatores externos jogaram contra esta edição, até mesmo a data coincidir com o Dia de Ação de Graças, feriado grande nos EUA, segundo um editor. Ter alguns autores do cast oficial convocados para encontros de graça na programação paralela também não ajudou.
Para Bernardo Carvalho, escritor e colunista da Folha de S. Paulo, a curadoria atual da Flip é o retrato de uma mudança de paradigma na literatura mundial. “Hoje, ela está mais ligada à representatividade, com foco nas experiências de vida dos autores, raça e gênero. Como resultado, muito mais gente escreve e publica. E a Flip é um reflexo disso.”
Ele esteve na programação oficial da primeira Flip, em 2003, acompanhado de nomes como Eric Hobsbawm, Don DeLillo e Julian Barnes. Uma maioria de homens brancos. O primeiro homenageado da festa, Vinicius de Moraes, ganhou tributo com Chico Buarque, Gilberto Gil e Antonio Cicero.
Carvalho volta a um elenco menos popular, porém mais diverso, em 2023. E está tudo bem não fazer uma festa só com os vips da literatura.
“Uma boa Flip não depende de grandes nomes. Já teve mesa de bambambã que simplesmente não aconteceu”, diz Natalia Timerman. “Assistindo hoje a Socorro Acioli, Felipe Charbel e Leda Cartum, percebi que a maravilha [do evento] é ser lugar de encontro, mais do que da aparição de nomes individuais. O acontecimento é o próprio encontro.”
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER – PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress