SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Numa aparente mudança de retórica, o presidente eleito da Argentina, Javier Milei, disse que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “será bem-vindo” caso decida comparecer à sua posse, no dia 10 de dezembro. “Ele é o presidente do Brasil”, afirmou Milei na quarta (22) ao canal argentino Todo Notícia.
A declaração se dá após o ultraliberal convidar o antecessor de Lula na Presidência, Jair Bolsonaro (PL), para a mesma cerimônia.
Durante a corrida eleitoral, Milei chegou a afirmar que não dialogaria com o Brasil. Ainda atacou diretamente Lula, a quem chamou de corrupto e comunista, e disse que não pretendia encontrá-lo caso fosse eleito.
As declarações foram repudiadas pelo governo brasileiro. O ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), Paulo Pimenta, disse na segunda (20) que o ultraliberal deveria ligar para o petista para se desculpar. Lula, por sua vez, afirmou na terça que há atualmente “algumas confusões na América do Sul”, acrescentando que haveria “problemas políticos” no futuro sem citar Milei diretamente, assim como fez ao comentar o resultado da eleição na Argentina.
O aceno de Milei ao presidente brasileiro pode, portanto, servir para “quebrar o gelo” entre os dois. Mas Bolsonaro afirmou à coluna Mônica Bergamo que manterá o planejamento de ir à posse mesmo que Lula esteja presente. “Para mim, o Lula não existe. Ele faz a parte dele lá, eu faço a minha. Não vou brigar com ninguém”, disse o ex-presidente. “Agora, se o Lula for lá [na posse], vai ser vaiado. Ele tem que se mancar.”
Ainda não está claro se o presidente brasileiro vai à posse de seu futuro homólogo argentino, mas membros de seu governo têm dito à imprensa que a viagem é improvável.
Ainda à coluna, Bolsonaro afirmou que estará acompanhado de uma comitiva formada por governadores e 30 parlamentares. Os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), de São Paulo; Jorginho Mello (PL-SC), de Santa Catarina; e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, já confirmaram a viagem.
A semelhança entre Milei e Bolsonaro já vinha sendo apontada por analistas mesmo antes do início da corrida eleitoral argentina. Os dois compartilham, entre outros, a retórica inflamada, o uso intenso de redes sociais e a repulsa à esquerda.
São características vistas também em outros líderes da ultradireita global que ganhou força em meados dos anos 2010, com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. O ex-presidente americano vibrou com a vitória do argentino, parabenizando-o com uma versão de seu próprio slogan eleitoral: “Faça a Argentina grandiosa novamente”, escreveu em uma rede social.
Os dois teriam conversado por telefone nesta quinta-feira (23). Após a ligação, a assessoria de imprensa de Milei anunciou que Trump viajará para a Argentina para visitar o presidente eleito, mas não divulgou a data do encontro ou se ela aconteceria na época da posse.
Já o aceno a Lula se dá em um momento em que o ultraliberal busca se retratar com diversos líderes que insultou durante a campanha. Ele agradeceu, por exemplo, por mensagens recebidas do papa Francisco a quem já chamou de “imbecil que defende a justiça social” e “representante do maligno na Terra” e dos presidentes do Chile, Gabriel Boric, e da França, Emmanuel Macron.
Ainda nesta quinta-feira, foi a vez de o argentino suavizar o tom em relação ao líder da China, Xi Jinping. “Envio a ele meus mais sinceros votos de bem-estar para o povo chinês”, escreveu o presidente eleito na plataforma X ao compartilhar a mensagem enviada pelo dirigente asiático. O texto diz que Pequim dá “grande importância” ao desenvolvimento de suas relações com a Argentina.
A retórica do ultraliberal foi muito menos amigável durante a campanha, quando insinuou que não dialogaria ou faria negócios com Pequim devido às restrições do regime às liberdades individuais. O país asiático é o segundo maior parceiro comercial da Argentina, depois do Brasil.
É possível que a mudança de postura de Milei quanto à China tenha sido motivada por uma declaração da chancelaria de Pequim no início da semana. Reagindo a uma fala de Diana Mondino, economista cotada para chefiar o Ministério das Relações Exteriores sob o ultraliberal, uma das porta-vozes da pasta afirmou que o país sul-americano cometeria “um grande erro” caso decidisse cortar laços com os chineses.
Milei superou no domingo o governista Sergio Massa, atual ministro da Economia, impondo ao peronismo sua quarta derrota em 40 anos de democracia. O presidente eleito que assumirá o cargo em 10 de dezembro e herdará um país em crise econômica, com inflação anual de três dígitos, reservas internacionais esgotadas e uma taxa de pobreza acima de 40%.
Redação / Folhapress