SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa (GtCO2e) em 2022 -queda de 8% em relação a 2021, quando foram lançados na atmosfera 2,5 bilhões de toneladas de carbono.
Mesmo assim, a taxa registrada no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) ainda é a terceira maior desde 2005, ficando abaixo apenas de 2019 e 2021, também durante o mandato do ex-presidente.
Os dados são da nova coleção do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), elaborada pelo Observatório do Clima e lançado nesta quinta-feira (23), em Brasília.
A redução nos números do ano passado foi puxada pela queda na taxa de desmatamento na amazônia e por chuvas abundantes que encheram as reservas de hidrelétricas e causaram uma diminuição recorde no acionamento de termelétricas a carvão e gás.
Considerando as emissões líquidas -ou seja, descontando do total de emissões as remoções de carbono feitas por florestas regeneradas, unidades de conservação e terras indígenas- a queda é de 11%: de 1,9 GtCO2e para 1,7 GtCO2e no mesmo período.
Essa medida é a usada pelo governo federal na meta assumida no Acordo de Paris, conhecida como NDC. O compromisso brasileiro é de 1,3 GtCO2e de emissões líquidas em 2025 e de 1,2 GtCO2e em 2030
DESMATAMENTO E AGROPECUÁRIA LIDERAM EMISSÕES
Apesar de uma queda de 15% entre 2021 e 2022, o principal culpado pelas emissões brutas brasileiras continua sendo o setor de mudança de uso da terra (que considera, basicamente, o desmatamento): ele representou 48% do total em 2022, ou 1,12 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente.
A maioria (75%) desse total, 837 milhões de toneladas, veio do desmate na amazônia -que, na comparação com outros biomas, tem áreas maiores devastadas e libera mais carbono devido ao tipo de formação florestal.
Apesar da elevada taxa de desmatamento na amazônia, que ficou em 11,5 mil km² no ano passado, o relatório destaca que a perda da vegetação nativa no cerrado ocorre num ritmo três vezes maior. As emissões no bioma representaram 14% do total do setor, sobretudo devido à alta no desmatamento na região do Matopiba, formada por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
“O desmatamento na amazônia, infelizmente, ainda é o botão de volume das emissões de gases de efeito estufa do Brasil”, diz Bárbara Zimbres, pesquisadora do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e uma das autoras do relatório.
O segundo setor com maior participação nas emissões brasileiras é o da agropecuária, que respondeu por 27% do total do último ano, com 617,2 milhões de toneladas de gases de efeito estufa (MtCO2e) -alta de 3% em relação a 2021. O número é o maior da série histórica do Seeg, iniciada em 1990.
Esse aumento, o maior para o segmento desde 2003, foi puxado pelo aumento do rebanho bovino, que chegou a 234,4 milhões de cabeças no ano passado, segundo o IBGE (alta de 4,3% em relação ao ano anterior).
Do total de emissões do setor, a pecuária representou 80% (496 MtCO2e) e a agricultura, 20% (121,2 MtCO2e). Desde 1970, segundo o levantamento, as emissões da agropecuária saltaram 191%.
“Somando as emissões por desmatamento e outras mudanças de uso da terra com as do setor agropecuário, conclui-se que a atividade agropecuária responde por 75% de toda a poluição climática brasileira”, destaca o relatório.
De acordo com um estudo de 2022, publicado na revista Science, de 90% a 99% do desmatamento tropical são impulsionados pela agropecuária, mesmo que nem toda a área desmatada seja colocada em produção.
QUEDA EM ENERGIAS FÓSSEIS E AUMENTO DE RENOVÁVEIS
Já o setor de energia teve uma queda de 5%, chegando a 412 MtCO2e. A redução foi causada pela queda recorde na geração termelétrica (-49%) devido ao excesso de chuvas. Por sua vez, a geração hidrelétrica cresceu 18%, e a de outras fontes renováveis, como eólica e solar, aumentou 15%.
“Somente essas condições climáticas fizeram com que o Brasil reduzisse o equivalente a 36 milhões de toneladas, ou um Uruguai, na geração de eletricidade. Isso compensou em parte o aumento das emissões dos transportes, que são o maior consumidor de combustíveis fósseis da matriz brasileira”, diz Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, organização responsável pelas contas do setor.
Os setores de resíduos (91 MtCO2e, oscilação de 1% para baixo) e processos industriais (78 MtCO2e, queda de 6%) representaram, respectivamente, 4% e 3% do total de emissões do país em 2022.
A ROTA PARA CUMPRIR PROMESSAS CLIMÁTICAS
As emissões de carbono são a medida usada globalmente para monitorar o avanço do aquecimento global e o cumprimento das NDCs (contribuições nacionalmente determinadas, na sigla em inglês), os compromissos dos países no Acordo de Paris.
Neste ano, o governo federal corrigiu a “pedalada” climática da NDC instituída durante o governo Bolsonaro, que mudava a base de cálculo e permitia um aumento nas emissões brasileiras. Agora, o Brasil voltou a assumir os parâmetros da sua primeira NDC, de 2015.
Para a equipe do Seeg, os objetivos -de 1,3 GtCO2e de emissões líquidas em 2025 e 1,2 GtCO2e em 2030- são alcançáveis. Assumindo que as emissões dos outros setores permaneçam estáveis, a meta de 2025 seria atingida, avaliam, com redução de 33% na taxa de desmatamento na amazônia nos próximos dois anos.
No último ciclo avaliado pelo programa Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), de agosto de 2022 a julho de 2023, houve redução de 22,3% no desmate da amazônia na comparação com o período anterior.
“[A projeção para 2025] é desafiadora, mas factível, dado que boa parte dessa redução pode ser realizada através do corte do desmatamento a patamares já alcançados no Brasil no passado, particularmente entre 2009 e 2012”, afirma David Tsai, coordenador do Seeg.
Na prática, isso significaria limitar o desmatamento na Amazônia a uma taxa de cerca de 6.000 km² nos próximos dois anos. De agosto de 2022 a julho de 2023, os números oficiais do desmate no bioma ficaram em 9.001 km², contra 11.594 km² no ano anterior.
“Cortar o desmatamento em 33% em dois anos (2024-2025) já foi feito antes. Em 2004, o governo pôs em operação o PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia). Naquele ano, a taxa de desmatamento foi a segunda maior já medida pelo Prodes-Inpe, 27.772 km2. Em 2005, a taxa caiu em 31%, para 19.014 km2. Em 2006, mais uma queda, de 25%, para 14.286 km2”, lembra o relatório.
“Em apenas dois anos, portanto, o desmatamento foi reduzido em 48,5%. Em mais três anos, em 2009, a taxa havia caído mais 52%, para 7.464 km2”, completa.
Já a meta de 2030 “poderia ser excedida em muito, caso o governo cumpra a promessa de Lula de zerar o desmatamento”, escreve o grupo responsável pelo Seeg.
Logo em sua primeira viagem internacional após a eleição de 2022, para a COP27, a cúpula do clima da ONU, no Egito, Lula afirmou que não mediria esforços para alcançar o desmatamento zero em todos os biomas do país até o final da década. O mandato atual vai até o final de 2026.
Se o desmatamento realmente acabar até 2030, os pesquisadores projetam que as emissões líquidas naquele ano serão de 685 milhões de toneladas número 43% menor do que a meta atual.
“Se o governo estiver falando sério sobre ser o grande defensor da meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5°C acima da média pré-industrial, terá de aumentar a ambição da NDC atual já para 2030, como todos os grandes emissores precisam fazer”, diz Tsai.
O Brasil é o sexto maior poluidor climático, com 3% do total global, ficando atrás de China (26%), EUA (11%), Índia (7%), Rússia (3,8%) e Indonésia (3%). Se a União Europeia (6%) for tratada como um país, o Brasil se torna o sétimo maior emissor.
Ao longo deste ano, o desmate tem caído na floresta amazônica, mas bate recordes no cerrado, segundo dados do Inpe. Além disso, o governo petista vem incentivando o aumento da exploração de combustíveis fósseis, como petróleo e gás.
Sobre isso, Tsai explica que, como esse aumento na produção seria para exportação e a maior parte das emissões destes fósseis acontece durante a queima, não na produção, esse montante entraria para a conta dos países que estão comprando e usando esses combustíveis.
“O que vai acontecer é que o Brasil vai estar exportando emissões”, afirma ele. “Claro que isso não quer dizer que o Brasil está livre para produzir petróleo, porque isso acaba sendo uma incoerência lógica do ponto de vista de contribuir com uma economia global descarbonizada.”
JÉSSICA MAES / Folhapress