MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O MPI (Ministério dos Povos Indígenas) afirmou que o empreendimento para exploração de potássio na Amazônia, a cargo de uma empresa subsidiária do banco canadense Forbes & Manhattan, é “de total interesse dos grupos ruralistas” que são “contrários às pautas indígenas”.
“O potássio é usado para a produção de um fertilizante largamente utilizado pelo agronegócio. Esse fato aumenta a pressão desse segmento para que o empreendimento seja aprovado”, disse a pasta comandada pela ministra Sônia Guajajara, em nota enviada à Folha de S.Paulo.
“O MPI é contra o processo de coação, manipulação, intimidações e pressões indevidas que o povo mura vem sofrendo, conforme constataram o Ministério Público Federal (MPF) e a Justiça”, afirmou. “Dos mais de 12 mil indígenas muras afetados com o empreendimento da Potássio do Brasil em Autazes (AM), nem 1% dos participantes do grupo participou da reunião.”
O ministério se refere a um encontro “cuja lista de presença foi indevidamente utilizada como lista de aprovação do Projeto Potássio”.
Em nota, a Potássio do Brasil, responsável pelo projeto, disse que o empreendimento tem aprovação de mais de 90% do povo mura. “Qualquer exigência fora das regras estabelecidas é descabida chicana para alterar o resultado e interferir, de forma indevida, na vontade dos indígenas”, afirmou.
A empresa disse ainda que o projeto gerará empregos e renda e diminuirá a dependência externa do país a potássio. “Os ataques ao processo de escolha dos indígenas não passam de mais uma manobra para produzir um escândalo artificial. A movimentação de agentes do Estado contra o projeto é passadista e ideológica.”
Em uma reunião com indígenas muras, um coordenador do Ministério dos Povos Indígenas, Jecinaldo Sateré, afirmou que existe interesse federal no projeto de potássio e que o empreendimento acabaria aprovado, o que foi interpretado por muras como uma posição favorável da pasta ao negócio, conforme relatos de indígenas ao MPF.
A ministra foi consultada sobre essa posição, num encontro em Brasília, e disse não ser nem contra nem a favor, mas defender os trâmites legais, o respeito aos direitos dos indígenas e a necessidade de consulta livre e prévia, conforme os depoimentos transcritos pela Procuradoria da República no Amazonas.
Na nota enviada à reportagem, o MPI afirmou ter participado de uma reunião com muras da Terra Indígena Lago da Piranha, em Careiro (AM), ocasião em que não se posicionou favoravelmente à mineração. Foi nesse encontro que o ministério fez o alerta sobre o empreendimento ser de “total interesse de grupos ruralistas”, segundo a nota.
“O representante do ministério defendeu a demarcação dos territórios indígenas, o fortalecimento do movimento indígena e de uma rede de articulação do povo mura para que eles pudessem discutir juntos e, ao final, tomar uma decisão conjunta sobre o empreendimento da Potássio do Brasil”, cita a nota.
A posição do MPI é um contraponto a outras posições no governo Lula (PT). O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), é favorável ao projeto de exploração de potássio, assim como o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD).
Reportagem publicada pela Folha no último dia 21 mostrou que o presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, prometeu a indígenas muras a compra e entrega de 5.000 hectares de terras em caso de posição favorável -em assembleia realizada no mesmo dia- ao empreendimento de exploração de potássio na região de Autazes, entre os rios Madeira e Amazonas.
A oferta foi seguida de falas de Espeschit contrárias à demarcação do território, apesar do início de procedimentos formais para a delimitação por parte da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que constituiu um grupo técnico em agosto.
O presidente da Potássio do Brasil disse ainda aos muras que o território só poderia virar terra indígena ao fim da retirada do minério, num prazo entre 23 e 34 anos.
A participação de Espeschit numa assembleia de uma pequena parte dos muras, em 22 de setembro, foi gravada, como consta em manifestação do MPF no Amazonas. O áudio de mais de uma hora foi enviado à Procuradoria. O presidente da Potássio do Brasil indicou em sua fala não saber que estava sendo gravado.
No último dia 15, o MPF apontou diversos indícios de cooptação de indígenas e de atropelo a processos internos de consulta, principalmente da aldeia Soares, a mais impactada pelo projeto, com sobreposição de áreas.
Em atendimento a pedido da Procuradoria, a Justiça Federal no Amazonas determinou no dia seguinte a suspensão de “qualquer atitude de coação, manipulação, fraude, intimidação, ameaça, pressão e cooptação” contra muras por parte da Potássio do Brasil.
“Vocês aprovando esse projeto, não pode haver criação de terra indígena”, disse o presidente da empresa na reunião gravada. “Porque aprovar e criar uma terra indígena vai inviabilizar do mesmo jeito.”
Estavam na reunião em uma aldeia do território menos de 200 indígenas, segundo participantes do encontro. Na região, são mais de 12 mil indígenas.
Três dias após a reunião feita, representantes da Potássio do Brasil -o presidente incluído- e lideranças muras foram até o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), para dizer que os muras apoiavam o empreendimento. Lima atua a favor do projeto.
“Transformar mecanismos de proteção social do projeto, amplamente conhecidos, em lances secretos de uma conspiração econômica contra indígenas é uma ação que vai contra a proteção do meio ambiente, a independência e o desenvolvimento econômico e social dos indígenas e o desenvolvimento e independência do Brasil”, disse a Potássio do Brasil, em nota.
As “alegações” são “mera fabricação de fake news midiático para instigar a opinião pública contra um empreendimento da mais alta relevância para o país”, afirmou a empresa. “As decisões da Justiça Federal no Amazonas já foram suspensas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e a empresa confia que a próxima decisão terá o mesmo destino.”
O MPF apontou “manipulações, assédios, cooptações e ameaças” na petição enviada à Justiça Federal, com pedido de suspensão do andamento do licenciamento ambiental, o que foi acatado pela primeira instância do Judiciário.
Para o MPI, os muras devem fazer reuniões internas de avaliação, “sem pressão externa”, levando em conta os procedimentos para consulta livre, prévia e informada, como preconiza a convenção nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário.
“O ministério ressaltou [em encontro com os indígenas] que a decisão final cabia ao povo mura, que tem autonomia para aprovar ou não o empreendimento”, disse a pasta. “O MPI é favorável ao desenvolvimento sustentável, levando sempre em conta a realidade das populações indígenas. Toda a equipe é comprometida com o fortalecimento e defesa dos direitos das populações indígenas.”
VINICIUS SASSINE / Folhapress