Quero ver como faremos com cultura na Argentina após Milei, diz autora na Flip

PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – O penúltimo debate na tenda principal da Flip nesta sexta, 24, se aproximava do fim e, até aquela altura, concentrava-se em questões específicas do universo literário. Três poetas e tradutoras -as brasileiras Eliane Marques e Lubi Prates, e a argentina Laura Wittner- falavam sobre temas como a transição de um gênero literário para o outro e a sonoridade das palavras.

Até que, instada a falar sobre novos trabalhos, Wittner mencionou a preparação de três livros voltados para o público infantil. Projetos pessoais, contudo, lhe pareciam secundários neste momento, como deixou claro a seguir: “Quero ver como faremos com a cultura na Argentina depois da vitória de Javier Milei. Estamos em estado de alerta com o novo presidente, que toma posse em 10 de dezembro”, afirmou.

Eleito presidente da Argentina no dia 19 de outubro, superando o candidato governista e atual ministro da Economia, Sergio Massa, o político de tendência ultraliberal já anunciou que pretende acabar com dez ministérios existentes hoje, como os de Cultura e Mulheres. Se não der fim a essas pastas, deve fundi-las a outras.

Não parece em vão, portanto, a aflição de Wittner, que tem duas obras sendo lançadas no Brasil: o livro de poemas “Tradução da Estrada” e o ensaístico “Viver e Traduzir”.

Esse foi o único momento em que a face mais conhecida da política, a partidária, deu o ar da sua graça no debate, mediado com discrição e eficiência pela poeta e professora portuguesa Patrícia Lino.

Antes, a política havia surgido sob seu viés racial, abordagem, aliás, mais uma vez muito presente nas mesas da Flip.

“Violências contra as populações indígena e negra deram para mim o sentido de que não pertenço a este país”, afirmou a paulistana Lubi Prates, autora de um verso cada vez mais difundido: “Meu corpo é meu lugar de fala”.

Lançado em 2018, “um corpo negro” (escrito assim mesmo, em letras minúsculas) foi finalista do prêmio Jabuti de poesia e ganhou traduções para países como Argentina, Espanha, EUA e França.

Prates também comentou sua atuação como tradutora, uma atividade que mudou depois que ela se reconheceu como uma mulher negra. “Decidi só traduzir mulheres negras”, disse ela, que tem vertido para o português textos das americanas Maya Angelou e Audre Lorde. “Queria que as pessoas tivessem acesso às autoras que mudaram minha vida para que mudassem outras vidas.”

Nascida na cidade gaúcha de Sant’ Ana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, Eliane Marques lembrou um dos projetos em que está envolvida, o selo editorial Orisun Oro. É uma iniciativa que traz ao Brasil livros de poetas negras da América Latina, como “Cabeças de Ifé”, da cubana Georgina Herrera, traduzido por Marques.

No primeiro semestre deste ano, ela lançou “Louças de Família”, que tem sido considerado o primeiro romance de Marques depois de uma série de livros de poesia, como “O Poço das Marianas” (2021).

Para Marques, porém, não é bem assim. “Não sei se dei esse salto da poesia para o romance. Não precisamos nos ater a essas binariedades”, diz ela, que ressalta a importância do ritmo para a construção dos seus textos.

A mediadora se referiu à obra de Marques como “sensorial e intuitiva”, adjetivos que se distanciam da argentina Wittner, associada ao “fascínio pelo comezinho”, como escreveu Caetano Galindo nesta Folha de S.Paulo.

NAIEF HADDAD / Folhapress

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