PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – As lideranças partidárias de esquerda costumam se parecer com as de direita quando se trata de política de drogas, segundo o neurocientista Sidarta Ribeiro.
O autor de “O Oráculo da Noite” fez a afirmação na mesa que dividiu com o antropólogo Luiz Eduardo Soares na tarde deste sábado (25) na Casa Folha, na Festa Literária Internacional de Paraty.
Ribeiro, que lança um livro sobre maconha chamado “As Flores do Bem” pela Fósforo, ressaltou a dificuldade de fazer com que políticos progressistas defendam a pauta da legalização das drogas que, conforme argumenta, é a peça central para a resolução de diversos problemas –do aprisionamento em massa de pessoas ao tratamento de doenças crônicas.
“Flavio Dino é uma pessoa muito respeitada e um grande ministro da Justiça, mas, por convicção ou não, ele é obrigado a dizer que a Lei de Drogas não aumentou o encarceramento. E isso é mentira.”
Ribeiro também disse que a guerra contra as drogas faz com que se crie categorias de pessoas “matáveis” por supostamente serem traficantes –e que o próprio presidente Lula, do PT, reforçou essa lógica ao reagir ao assassinato de um adolescente por policiais no Rio de Janeiro, dizendo que a tropa precisa saber “diferenciar pobre de bandido”. “Quer dizer então que pode matar bandido? Onde está isso no Código Penal?”
O pesquisador contemporizou dizendo ter a impressão de que as ações policiais ficaram mais brutais neste ano. “Sinto que a Polícia Militar está se vingando do povo pela escolha de eleger Lula. ‘Ah é, tiraram Bolsonaro? Então vão ver.’ Por isso está havendo episódios surreais, com pessoas morrendo dentro de casa, como aconteceu no Guarujá.”
Soares, que publicou há pouco o romance “Enquanto Anoitece” pela Todavia, concordou com o colega de mesa. Ele apontou que os “proibicionistas têm o dever público de justificar essa dinâmica perversa” que, segundo ele, alimenta prisões superlotadas por pessoas principalmente negras estigmatizadas como traficantes.
O sociólogo, um dos maiores especialistas brasileiros em segurança pública, foi taxativo ao afirmar que o governo atual não está avançando no aspecto das drogas. “Só comemoro quando penso que poderíamos ter caído no abismo irreversível do fascismo.”
Lula, segundo ele, está fazendo um governo sob constante “chantagem e pressão” de grupos conservadores, com “pouca área para caminhar”. Ele afirma ter enviado uma carta ao ministro Dino dizendo entender que a “correlação de forças não permite avanços significativos, mas se não tivermos clareza dos rumos para onde queremos ir, não criaremos um caminho”.
“Se não dermos centralidade a esse debate, a esquerda vai deixar para depois”, reforçou Ribeiro. “E não vai resolver nenhum problema se não resolver esse.”
O neurocientista ficou embargado e levou a mão aos olhos para secar lágrimas quando contou a história de seu irmão, usuário de drogas que foi estigmatizado pela família.
Mas a mesa terminou num tom leve, quando uma mulher da plateia comentou que o debate tinha se centrado em questões como crimes e doenças “e faltava falar de como maconha é gostoso, de como afeta a sociabilidade”, provocando risadas simpáticas do público.
Ribeiro respondeu citando uma pesquisa Datafolha recente que mostra que três quartos dos brasileiros são a favor da legalização de maconha para fins medicinais e também três quartos são contra a liberação para uso geral e recreativo. Segundo o neurocientista, o que é recreativo também é terapêutico.
“Então se você está com dor, pode usar, mas se só quer ouvir música, não?”, comentou ele. “É uma vontade cristã de articular a existência em torno do sofrimento.”
A programação na Casa Folha continua na noite deste sábado com uma mesa sobre a biografia do cantor Nelson Ned e segue no domingo de manhã com o sociólogo Celso Rocha de Barros como convidado.
WALTER PORTO / Folhapress