Cientistas descrevem novo sapo fóssil do Cretáceo brasileiro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pesquisadores descreveram uma nova espécie de sapo fóssil para o Cretáceo Superior (cerca de 90 milhões a 66 milhões de anos).

Batizado de Mariliabatrachus navai (o nome de gênero significa “sapo de Marília”, e o epíteto específico homenageia o paleontólogo William Nava, que encontrou o material), o fóssil foi encontrado em rochas da Formação Adamantina, Bacia Bauru, no município de Marília (a 435 km da capital). Na mesma localidade já foram encontrados fósseis de crocodilos, tartarugas e outros répteis.

O artigo descrevendo o achado foi publicado no último dia 15 na revista especializada Zoological Journal of the Linnean Society. Assinam o artigo Rodolfo dos Santos, doutorando do Museu de História Natural de Londres (NHL, na sigla em inglês) e do Museu de Zoologia da USP, Alberto Carvalho, responsável pelo Laboratório de Tomografia Computadorizada da mesma instituição, e Hussam Zaher, professor de zoologia de vertebrados da USP e curador das coleções de Herpetologia e Paleontologia.

Encontrado em 2001 por Nava, o sapo já havia sido objeto de estudo na tese de doutorado de Carvalho, mas à época era difícil definir uma espécie nova. “Fiz a descrição [definição da anatomia do animal, que pode ajudar na sua classificação na árvore evolutiva], mas tinham muitos caracteres que eram difíceis de ver pela posição na rocha, cobertas por sedimento”, explica ele.

Havia, porém, um agravante: o material, embora fosse associado (achado em um mesmo local e de um provável indivíduo), estava com os ossos desconectados, tornando difícil a definição da morfologia do animal, exceto por duas placas que tinham mais ou menos uma continuidade.

“Mas, quando a gente tentava ligar uma na outra, não conectava. Era como se a rocha tivesse quebrado de um jeito que não conseguimos juntar o quebra-cabeça”, lembra.

Vinte anos depois, e com a revolução tecnológica oferecida pela ferramenta de tomografia computadorizada, que utiliza raios X de alta intensidade para “ver” através do sedimento as partes duras preservadas, a técnica permitiu finalmente “juntar” virtualmente as duas partes.

“Com isso, pudemos acessar informações com muito mais detalhamento”, diz.

A partir do esqueleto reconstituído virtualmente, Santos comparou a anatomia do Mariliabatrachus com aquela de representantes atuais dos anuros, como é chamado o grupo que inclui os sapos, rãs e pererecas. “Mas é difícil porque são mais de 8.000 espécies, e a gente tem um conhecimento limitado da anatomia da maioria dessas espécies”, afirma.

A análise evolutiva indicou que o fóssil faz parte do grupo conhecido como Neobatrachia, que representa a linhagem de anfíbios que se diversificou posteriormente nos grupos atuais.

“Eu comecei procurando entender em qual família [grupo] de sapos atuais ele se encaixava, hoje eu já acho diferente e acredito ser parte de uma linhagem que está presente também no Cretáceo do Marrocos e que não sobreviveu à grande extinção no final do período”, diz.

Vale lembrar que a extinção do final do Cretáceo, famosa por ter dizimado a maior parte dos dinossauros, pterossauros e outros répteis gigantes, afetou também outros animais, como peixes, tartarugas, crocodilomorfos e os anfíbios.

“Nesse contexto macroevolutivo, uma coisa interessante é que a linhagem foi extinta justamente em um momento chave para os anuros, porque foi no final do Cretáceo que todos os grupos viventes até hoje surgiram, os neobatráquios. Então eles surgem no final do Cretáceo, mas se diversificaram a partir do Paleoceno [de 65 a 56 milhões de anos].”

O esqueleto de Mariliabatrachus é similar ao de uma rã-pimenta (gênero Leptodactylus) ou de um sapo-cururu (gênero Bufo). “Os sapos têm uma morfologia muito conservativa, que não mudou muito nos 200 milhões de anos de sua evolução”, afirma Carvalho.

De diferente, ornamentações (buracos) nos ossos do crânio e a fusão dos ossos frontais e parietais, um aspecto extremamente variável entre as espécies de sapos conhecidas, são mais difíceis de indicar alguma grande mudança evolutiva.

Há ainda algumas incertezas, como em qual contexto paleoecológico o sapo viveu, já que outros fósseis encontrados na região indicam um ambiente semiárido. “O clima era muito quente, mas certamente tinha alguns corpos d’água. Pode ser que eles tivessem o hábito de se enterrarem no período mais seco e emergirem da terra nos momentos úmidos, a chamada estivação, conhecida para algumas espécies africanas”, finaliza Carvalho.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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