PL das eólicas em alto-mar traz jabutis de ao menos R$ 28 bi na conta de luz

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A proposta de marco regulatório para usinas eólicas na costa marítima brasileira, as chamadas eólicas offshore, veio com um número inesperado de emendas que afetam praticamente todos os segmentos de energia no país.

No jargão político, está tomada por jabutis, que gerariam um custo adicional de ao menos R$ 28 bilhões para os consumidores, segundo estimativa da Abrace Energia, entidade que reúne as maiores indústrias do país.

Foram apensados 179 PLs (projetos de lei) ao texto original, sob relatoria do deputado federal Zé Vitor (PL-MG). Procurada pela reportagem para esclarecer pontos e comentar críticas, a assessoria do parlamentar não enviou um posicionamento até a publicação deste texto.

No novo relatório do PL 11.247, de 2018, há medidas para viabilizar térmicas a gás, um combustível fóssil, e dispositivos para ampliar subsídios para a GD (geração distribuída), em sua maioria solar.

O texto também prevê a realocação de pagamentos da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), na qual se concentram subsídios, elevando em 77% os custos para empresas no Sudeste, e 58% para empresas no Nordeste. O PL repassa ainda inúmeros custos para o mercado livre de energia.

Serão afetados de consumidores residenciais a grandes empresas, como Gerdau, Votorantim, BRF, Vale e Ambev, para citar algumas.

A União pela Energia enviou carta ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ao relator do PL alertando para o impacto negativo dos jabutis e pedindo um debate mais qualificado sobre custos e benefícios das propostas. A Frente Nacional do Consumidores de Energia, além de divulgar nota, já iniciou campanha nas redes sociais pedindo aos congressistas que não apoiem as medidas, e conta com apoio de outras entidades.

“Como estamos quase em dezembro, podemos dizer que providenciaram presentes de Natal para todos os segmentos do setor de energia, mas vão pagar a conta com o cartão de crédito do consumidor”, afirma Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.

O setor já está atento ao relatório do projeto desde a semana passada. Nos últimos dias, várias versões foram apresentadas. A mais recente saiu no domingo (26).

“Curiosamente, o projeto traz boas medidas para as eólicas offshore, o problema são os jabutis”, afirma Pedrosa.

Pelas estimativas da área técnica da entidade, o maior custo virá da mudança no cálculo do preço teto para as térmicas a gás inseridas na tramitação da privatização da Eletrobras em 2022. Originalmente, foram previstos 8 GW (gigawatts), mas os leilões para esses projetos não foram bem-sucedidos.

Para viabilizá-los, o novo PL transforma 4,9 GW em PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), ao custo de R$ 8,6 bilhões, pelas estimativas da Abrace. Outros 4,25 GW permanecem como térmicas, mas o texto prevê a separação dos custos.

O leilão para obras permanece com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), mas o gás e seu transporte passariam a ser contratados pelas distribuidoras estaduais. Na prática, isso melhora o preço teto. Pelas estimativas da Abrace, esses projetos vão custar R$ 16 bilhões.

O PL das offshore também obriga aportes em projetos regionais.

Prevê a contratação obrigatória de térmica a hidrogênio líquido à base de etanol especificamente no Nordeste e, a partir de 2030, a contratação obrigatória de 300 MW (megawatts) de eólicas na região Sul. Os custos ao ano seriam de, respectivamente, R$ 3 bilhões e R$ 500 milhões, pelas estimativas da Abrace.

Causou especial surpresa o impacto no mercado livre de energia, que concentra estabelecimentos comerciais e indústrias entre consumidores. Como próprio nome diz, nesse ambiente, consumidores e geradores negociam preços, prazos e fontes de energia.

O PL cria uma série de novos compromissos que tiram a autonomia do setor empresarial, afetando a estrutura de custos.

A conta da tarifa de Itaipu, por exemplo, que é elevada para os padrões das hidrelétricas brasileiras, hoje é paga na conta de luz de 31 distribuidoras do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A tarifa das usinas nucleares de Angra, bem acima da média nacional, também é paga pelos consumidores cativos.

O PL determina que elas passem a ser rateadas com o mercado livre, na proporção da carga (o volume de consumo).

“A gente não esperava que o PL que trata de eólica offshore fosse se propor a uma revolução no setor elétrico. Isso é absolutamente questionável e lamentável. O Brasil passaria a ter um mercado livre cativo, o que não existem em nenhum lugar do mundo”, afirma Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel (Associação dos Comercializadores de Energia Elétrica).

“O projeto, que saiu de forma equilibrado do Senado, tratando bem do tema a que se propôs, foi totalmente distorcido na Câmara. Atropelo geral”, diz Ferreira.

O PL deixa claro que projetos considerados prioritários pelo Executivo também teriam de ser pagos pelos consumidores livres, o que não ocorre hoje. Entre as justificativas para essa extensão do custo está o argumento de que mercado livre precisa contribuir com a segurança energética do país.

“O mercado livre consume energia hidrelétrica para caramba, o que justifica, sob o critério de segurança energética, a gente ser obrigado a contratar energia de Itaipu?”, pergunta Ferreira.

“Vou ser obrigado a contratar um pacote de energia que não preciso porque Itaipu tem de fazer ponte ponte com o Paraguai e obras lá em Mato Grosso do Sul?”

O PL também determina a suspensão da migração do mercado cativo para o livre, até a regulamentação das medidas. A orientação seguraria a nova etapa de migração, prevista para começar em janeiro de 2024, afetando mais de 11 mil consumidores que já notificaram a transferência para sua distribuidora e firmaram contratos para fazer essa mudança.

“Vai ter judicialização na certa”, afirma o presidente da Abraceel.

Detalhe. Muitas empresas migram para o mercado livre com o objetivo de comprar apenas energia renovável e cumprir metas de descarbonização. Se o governo vier a tornar obrigatória, a título de segurança do sistema, que o segmento compre energia de térmicas a gás, por exemplo, colocaria em xeque a transição energética de todo o setor empresarial brasileiro, alerta Ferreira.

O PL é o segundo baque para o setor em uma semana. Na terça-feira (21), as maiores entidades se mobilizaram para deter a publicação de uma MP (medida provisória) que iria estender por 36 meses o desconto de 50% pelo uso do fio de projetos de geração renovável -Tust e Tusd (sigla para tarifas de uso do sistema de transmissão e de distribuição). O custo seria de R$ 6 bilhões ao ano.

Foram enviadas cartas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao vice Geraldo Alckmin e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Especialistas do setor ligados ao PT também fizeram esclarecimentos à Casa Civil sobre o impacto da medida.

Como a extensão desse desconto é um pedido de governadores e congressistas do Nordeste, a expectativa agora é que o texto da MP seja incorporado ao PL na tramitação, isentando o governo do custo político da medida.

Custos estimados para os consumidores

Projeto de lei para eólicas em alto-mar traz uma série de mudanças no setor elétrico que impactam conta de luz e dinâmica da operação:

R$ 16 bi

ao ano, a partir de 2031, a título de aumento do preço teto para 4,250 GW (gigawatts) de térmicas jabutis da Eletrobras, com separação do leilão de construção e da contratação do gás e seu transporte

R$ 8,6 bi

ao ano, a partir de 2030, para 4,9 GW dessas mesmas térmicas que serão transformadas em PCHs (pequenas centrais hidrelétricas)

R$ 3 bi

ao ano para contratação obrigatória de térmica a hidrogênio líquido à base de etanol na região Nordeste

R$ 500 milhões

ao ano, a partir de 2030, para contratação obrigatória de 300 MW (megawatts) de eólicas na região Sul

E mais…

– Fim do rateio diferenciado por nível de tensão (alta, média e baixa) na CDE, com aumento desse custo para indústrias do Sudeste em 77% e do Nordeste em 58% já em 2024

– Diferentes medidas que na prática elevam subsídios para GD (geração distribuída, em sua maioria solar)

– Uso do aporte da Eletrobras para reduzir tarifa do Amapá, a tarifa Covid e conta de escassez hídrica

– Transferências do mercado cativo para o mercado livre do custo pelas chamadas ineficiências do setor (projetos que não são comercialmente viáveis), como tarifas das usinas nucleares de Angra, de Itaipu, bem como a sobre contratação de energia pelas distribuidoras

– Suspensão da migração do mercado cativo para o livre até a regulamentação das medidas, afetando diretamente 11 mil consumidores

ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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