MACAPÁ, AP (FOLHAPRESS) – A estudante Rafaela Santos, 18, não precisou esperar o gabarito oficial do Enem 2023, para ter certeza da resposta para questão sobre o marabaixo. A dança é a maior manifestação cultural do Amapá, com título de Patrimônio Cultural e Imaterial do Brasil desde 2018, no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
No quilombo do Curiaú, em área rural na zona norte de Macapá, Rafaela conta que a família dela preserva o marabaixo há gerações, como forma de ressignificar os episódios dramáticos vividos na época da escravidão.
“Foi um sentimento muito bom ver o que o Enem abordou o marabaixo e o país inteiro teve esse contato. O Brasil é miscigenado, temos uma vasta diversidade cultural e espero que outros estados reconheçam a nossa manifestação”, disse a estudante, que quer ingressar no curso de direito.
Tudo o que a Rafaela sabe sobre o tema veio de berço, segundo ela, principalmente sob a influência da avó, a mestranda em pedagogia, escritora e artesã Esmeraldina dos Santos, 68. Ela, por sua vez, é filha de “Tia Chiquinha” , considerada pelas entidades culturais do estado como uma das maiores referência do marabaixo, que morreu aos 94 anos, em 2015.
O marabaixo é uma forma de dança com um pé na frente e outro atrás, explica Esmeraldinha, “porque era assim como os escravos dançavam com os pés acorrentados”. “É uma dança de resistência, e o canto é de lamento”, conta.
A cultura é herdada dos primeiros escravos que chegaram ao Amapá para a construção da Fortaleza de São José de Macapá, atualmente o maior ponto turístico do estado.
Durante as viagens nos navios negreiros e nas senzalas, conta Esmeraldina, os pioneiros do marabaixo dançavam em filas, caminhando para frente, com as roupas do trabalho escravo.
Com os anos, alguns hábitos mudaram no marabaixo. As saias rodadas floridas, as camisas brancas, flores atrás da orelha e a toalha no ombro formam um conjunto de uma versão estilizada, inspirada nas vestimentas de mulheres escravizadas que ganharam liberdade e tiveram a oportunidade de comprar os tecidos para fazer as próprias roupas.
Depois, foram introduzidas caixas de madeiras tocadas pelos homens com uso de baquetas. “Eu sou de família de escravizados. Meus antepassados já dançavam acorrentados nos porões dos navios negreiros. […] Muitas pessoas dançam e cantam quando estão em momento de angústia, principalmente quem segue alguma religião. Essa foi a nossa herança que virou o marabaixo”, conta ela.
Filha de pais analfabetos, Esmerladina conta que lutou sozinha para concluir os estudos e estimular filhas e netas a fazer o mesmo. Deixou a escola aos 16 anos e retomou os estudos aos 55.
Para ela, a educação é fundamental para levar a cultura e a história dos quilombos para as escolas e universidades. “Meus livros e músicas são sobre o marabaixo, porque conta uma importante história. Quando pegamos os trechos dos cantos, podemos entender o que acontece nas nossas comunidades quilombolas”, conta.
Em novembro de 2018, mês da Consciência Negra, a Prefeitura de Macapá inaugurou a primeira creche pública do Amapá e deu o nome para a unidade de “Tia Chiquinha”.
Esmeraldina, Rafaela e outros parentes participaram da cerimônia com apresentações do grupo da família, o Raízes do Bolão.
JORGE ABREU / Folhapress