SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Estudantes da rede federal de ensino de São Paulo terão que viajar de ônibus por até nove horas para fazer o Provão Paulista, vestibular seriado criado neste ano pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) e que começa nesta quarta (29). Diferentemente do que ocorre com os candidatos das redes estadual e municipais, os testes não serão aplicados na escola e na cidade onde estudam, e sim na capital.
É o caso de um grupo de alunos de Votuporanga, município do noroeste paulista a mais de 500 quilômetros de São Paulo. Mesmo com a aplicação do Provão Paulista nas escolas estaduais da cidade, os adolescentes tiveram que alugar um ônibus e vão viajar de madrugada até a capital para poder realizar o exame.
Eles também vão ter que arcar com o custo de hospedagem, já que a prova vai ser realizada em dois dias diferentes.
Criado neste ano, o Provão Paulista vai ser aplicado pela primeira vez a partir desta quarta-feira (29) -a data foi alterada por causa da greve de metroviários, ferroviários e funcionários da Sabesp. O vestibular seriado vai selecionar alunos de escolas públicas para ingressar nas universidades paulistas (USP, Unicamp e Unesp), nas Fatecs e na Univesp.
O exame, uma espécie de “Enem estadual”, foi criado com o objetivo de estimular os alunos de escola pública a tentar uma vaga no ensino superior. As regras do exame, no entanto, podem prejudicar aqueles que estudam na rede federal de ensino -são cerca de 10 mil matriculados no ensino médio no IFSP (Instituto Federal de São Paulo), mais de 8.500 deles estudam em campus localizados no interior do estado.
A Secretaria Estadual de Educação, sob o comando de Renato Feder, decidiu que só alunos da rede estadual e de municípios paulistas podem fazer as provas nas cidades em que estudam. O restante (alunos de escola pública de outros estados e da rede federal) deve realizar o exame na capital paulista.
Cerca de 1,2 milhão farão o Provão Paulista. A secretaria não informou quantos deles estudam em unidades da rede federal em São Paulo, mas o IFSP divulgou em outubro que havia 3.500 inscritos na prova vindos de seus 36 campi do interior.
Em nota, a pasta disse que o Provão tem sido amplamente divulgado desde seu lançamento e que todas as regras de participação foram publicadas no Diário Oficial. “A resolução deixa claro que os alunos das demais redes estaduais, municipais e federais deveriam realizar provas na capital do estado de São Paulo”, diz a pasta.
A secretaria afirmou ainda que o Provão é uma política “concebida para gerar equidade e como foco nos alunos da rede estadual e municipais de São Paulo, respeitando o princípio constitucional do federalismo”.
Em 26 de outubro, um mês antes da realização da prova, o reitor Silmário Batista dos Santos encaminhou um ofício ao secretário Renato Feder solicitando que os estudantes do IFSP fossem autorizados a fazer as provas no município em que residem ou estudam.
Segundo o documento, foi só após a homologação das inscrições que os estudantes souberam que teriam de fazer a prova na cidade de São Paulo. O reitor argumentou que muitos alunos do instituto poderiam ter dificuldade de se locomover à capital, especialmente os de famílias mais pobres. Feder não respondeu o ofício.
Mãe de uma aluna de 16 anos do campus de Votuporanga, do IFSP, Vanessa Ribeiro, 41, considera a situação um desrespeito. “A prova vai ser realizada na nossa cidade, em escolas vizinhas. Por que não deixaram nossos filhos fazerem a prova aqui? Eles também são alunos da rede pública, deveriam ter os mesmos direitos dos demais”, diz.
Ela e um grupo de pais ajudaram os estudantes a fretar um ônibus até São Paulo. Só com o deslocamento, eles terão que desembolsar cerca de R$ 8.200, que será dividido entre 40 alunos. Como as provas para os alunos da 1ª e 2ª série serão realizadas nos dias 1º (sexta-feira) e 4 (segunda-feira), eles também terão que custear ao menos três diárias de hospedagem para os adolescentes.
“Sem falar que estamos tratando de adolescentes, de 15 e 16 anos, que não podem viajar sozinhos, ainda mais para uma cidade perigosa como São Paulo. Então, estamos nos organizando para mandar três ou quatro responsáveis com eles. O custo vai ser alto e muitos alunos acabaram desistindo por não ter condições”, conta Vanessa.
O IFSP chegou a disponibilizar o ginásio do campus de São Paulo, no Canindé, na zona norte da capital, para que os estudantes de fora tenham onde dormir. No entanto, como parte dos alunos terá de passar todo o fim de semana na cidade, muitos pais acabaram desistindo de enviar os filhos.
Alguns alunos também desistiram de viajar para fazer a prova, por avaliarem que chegariam cansados na capital e não teriam bom rendimento. “Eles vão viajar a madrugada toda, dormindo em um ônibus. Eles não vão ter uma boa noite de sono, como deveriam ter antes de uma prova importante”, diz Vanessa.
A Secretaria de Educação não explicou por que não autorizou os alunos do IFSP a fazerem a prova nos municípios em que estudam ou por que não incluiu as unidades do instituto para a aplicação do Provão.
Assim como nas escolas estaduais, professores das escolas municipais, de Etecs (escolas técnicas do Centro Paula Souza) e até, por exemplo, na Escola de Aplicação da USP (que não faz parte da rede estadual paulista), receberam treinamento para aplicar o exame.
Especialista em avaliação educacional, Ocimar Alavarse diz que a regra fere o princípio da isonomia de condições entre os candidatos. Ainda que a regra conste no edital da prova, afirma, ela pode ser questionada judicialmente.
“A regra faz sentido, quando pensamos em candidatos de outros estados. Porque o governo paulista aumentaria os custos da prova ao realizá-la fora de São Paulo. Mas, neste caso, não há mudança já que a prova já vai acontecer na cidade desses alunos. Era só enviar mais provas para esses municípios”, diz.
ISABELA PALHARES / Folhapress