Câmara desfigura PL das eólicas em alto-mar e aprova até jabuti para usina a carvão

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na reta final para a votação do texto que trata do marco regulatório das eólicas em alto-mar, o deputado Zé Vitor (PL/MG) incluiu a obrigatoriedade de contratação de térmicas a carvão, um dos combustíveis mais poluentes e geradores de gases de efeito estufa.

O projeto de lei 11.247/18 foi aprovado na Câmara nesta quarta-feira (29) por 403 a favor e 18 contra. Como texto foi proposto pelo Senado, volta para essa Casa.

O PL das eólicas é uma das propostas da chamada agenda verde do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ele quer apresentar as medidas como contribuição do Brasil no esforço global pela descarbonização, durante a COP28 (28ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas.

No entanto, recebeu na Câmara inúmeras emendas sem relação com o tema, os chamados jabutis. Foram apensados 179 PLs. Há dias, o conteúdo preocupava os especialistas de energia. Já no início da tramitação, no fim da tarde desta quarta-feira (29), novos dispositivos foram sendo inseridos, deturpando ainda mais a proposta original.

As usinas a carvão vão custar R$ 5 bilhões adicionais à conta de luz, anualmente, por duas décadas, segundo estimativas da Abrace Energia, entidade que reúne as maiores empresas consumidoras de energia do país.

Segundo o texto, a operação das térmicas vai ser prorrogada de 2029 a 2050, e a energia será contratada pela EMBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional).

Há 21 usinas a carvão em operação no Brasil, segundo cadastro da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O PL, no entanto, prorroga a operação de um grupo de seis empreendimentos, Figueira, Candiota 3, Pecém 1, Pecém 2, Itaqui e Jorge Lacerda (complexo com 3 usinas).

No início da tramitação, o texto também recebeu ainda uma demanda adicional: a prorrogação por 36 meses para uma empresa renovável acessar o direito ao desconto de 50% pelo uso do fio de projetos de geração renovável. O custo adicional será de R$ 6 bilhões ao ano.

Inicialmente, a extensão do subsídio ocorreria por MP (medida provisória). No entanto, a reação do setor junto ao governo foi tão organizada e enfática, que optou-se por inclui a medida durante a tramitação do PL.

O relator, no entanto, manteve os ajustes feitos para os 8 GW (gigawatts) de térmicas a gás, como alternativa para viabilizar os projetos previstos na lei de capitalização da Eletrobras. Transforma 4,9 GW em PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas), ao custo estimado de R$ 8,6 bilhões.

Outros 4,25 GW permanecem como térmicas, mas o texto prevê a separação das obras e do fornecimento de gás, o que acrescentaria outros R$ 16 bilhões na conta dos consumidores por um período de 15 a 25 anos, a partir do momento em que as usinas entrem em operação.

Também foi preservado a contratação de energia eólica no Sul do país, por R$ 500 milhões, e a térmica de hidrogênio verde a base de etanol, no Nordeste, ao custo de R$ 3 bilhões.

Somando todos os jabutis, o efeito financeiro do PL na conta de luz dos consumidores de energia subiu para para R$ 39 bilhões.

Ainda não foram feitos cálculos para o aumento de emissões. No entanto, estudo do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) identificou que no grupo de dez usinas de fontes fósseis que mais pesou na emissões de gases de efeito estufa no Brasil em 2022, metade usa carvão e a outra parte, gás natural.

Candiota 3 e duas das usinas do complexo Jorge Lacerda estão entre mais emissoras de gases de efeito estufa.

“Um projeto criado para beneficiar uma energia verde vai ficando cada vez mais cinza”, afirma Paulo Pedrosa, presidente da Abrace Energia, entidade que reúne os maiores consumidores industriais do país.

“As térmicas a gás na base do sistema e a compra compulsória de energia do carvão vão encarecer e sujar nossa matriz energética e podem comprometer a vantagem de o Brasil oferecer ao mundo produtos verdes. Essa pauta é cinza, não é verde.”

Outros itens da pauta verde -regras para o mercado de carbono, incentivo à produção do hidrogênio verde e mobilidade sustentável com biocombustíveis- estão com votação pendente.

Desde a divulgação do primeiro parecer, o PL das eólica offshore vem sendo alvo de críticas no setor, por causa do seus impactos ambientais e financeiros. Nesta terça, 15 dos mais respeitados especialistas da área assinaram uma manifestação pública contra os jabutis.

“Um órgão político, sem adotar nenhum critério econômico, está aniquilando com a competividade do setor elétrico brasileiro”, afirma José Luiz Alquéres, um dos signatários do manifesto, que foi secretário nacional de energia e presidiu empresas como Eletrobras e Alstom.

Em resposta a outras críticas, o novo texto do PL divulgado nesta quarta exclui todos os dispositivos que criavam obrigações para o mercado livre de energia, e afetariam pesadamente a contratação de energia para as maiores empresas do Brasil.

Nesta quarta, as entidades reagiram a mais esse jabuti.

“O PL virou um show de horror. O Brasil já paga R$ 1 bilhão por ano para mantar térmica a carvão e vai ampliar isso até 2050, prejudicando a sociedade, a economia e as empresas, no momento em que mundo se esforça para acabar com o carvão?”, questiona Délcio, presidente do Instituto ClimaInfo.

Coalizão Energia Limpa e o GT Clima e Energia do Observatório do Clima divulgaram nota detalhando os problemas do PL e pedindo as parlamentares que retomem o texto original.

A União pela Energia enviou carta ao presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT) alertando que o aumento do uso de energias poluentes vai prejudicar a competitividade da já combalida industria nacional frente o cenário internacional de descarbonização. Assinam a carta 70 entidades empresariais dos mais diversos setores, Entre eles estão, calçado, papel e celulose, alumínio, eletroeletrônicos, vidro, cerâmica, além da indústria de base.

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia soltou nota afirmando que a medida é um contrassenso.

“Recebemos com indignação a inclusão de mais subsídios ao carvão no projeto que deveria priorizar a continuidade da geração por fontes renováveis”, destaca o texto.

“É quase inacreditável que em plena crise climática e na esteira das discussões da COP28, onde o Brasil pretende ser protagonista, o Congresso Nacional tente impor aos brasileiros mais custos desnecessários na conta de energia e mais CO2 na atmosfera. Lamentavelmente, estamos levando a Dubai uma proposta de agenda cinza e não verde.”

A Abrace Energia também divulgou nota manifestando “surpresa” com a mudança.

“A imposição de mais subsídios ao carvão na conta de energia no momento em que o país deve seguir sua vocação de energia limpa, barata e segura, e deveria mostrar para o mundo que podemos ser os líderes da transição energética com menos carbono “, destaca a nota.

“Lamentável que decisões como essa e das térmicas a gás na base do setor elétrico estejam sujando nossa matriz e trazendo ainda mais custos para os consumidores.”

ALEXA SALOMÃO / Folhapress

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