Benedita da Silva representou o morro na Constituinte e marcou ampliação de direitos sociais

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Viver 81 anos e ter dedicado a maior parte da minha vida à política, neste momento, eu me sinto recompensada. Eu agora tenho uma bancada que vai dar continuidade a uma luta de séculos e séculos.”

Foi o que disse Benedita da Silva (PT-RJ), deputada federal em seu quinto mandato –o quarto seguido– em discurso após a criação da bancada negra na Câmara dos Deputados, inédita no Legislativo.

Para a deputada, a criação da frente parlamentar aprofundará a discussão sobre políticas públicas para a população negra e indígena. “Agora, com a criação dessa bancada, nos tornamos mais robustos e teremos uma unidade em defesa de uma causa comum.”

Nascida em 11 de março de 1942 na extinta favela da Praia do Pinto, entre os bairros de Leblon e Lagoa, Benedita foi a primeira mulher negra vereadora do Rio de Janeiro, além de ser a única mulher negra integrante da Assembleia Constituinte que confeccionou a Constituição de 1988 e a primeira mulher a chefiar o governo fluminense.

Ela avalia que ter participado da elaboração da nova Constituição foi muito importante, porque foi um processo onde todos os segmentos da sociedade brasileira se encontraram para colocar as suas bandeiras de luta.

“Eu entrei com o slogan: ‘A voz do morro na Constituinte’. Foi um momento em que, como única mulher negra, eu levantei a bandeira da negritude”, afirmou.

“Foi uma batalha importante porque estava chegando realmente uma voz do morro lá no Congresso Nacional. Uma voz que estava pedindo: saneamento básico, educação para todos sem discriminação, falando que era importante tratar da saúde da população negra e que estava falando que não podia mais conviver com insegurança.”

Para além de toda a atuação parlamentar, voltada para a defesa de minorias sociais, também é a responsável pela ação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que estabeleceu a reserva financeira do fundo partidário para candidatos negros e mulheres em proporcionalidade com os postulantes brancos.

Hoje, a decisão é alvo da PEC da Anistia, que pretende diminuir a quantidade de verba a ser reservada para pretos e pardos nas eleições.

A deputada afirma que até agora não se chegou a um denominador comum sobre a PEC e que há ainda muitas outras questões para serem discutidas. Mas ela vê com otimismo a criação da bancada negra, que pode ajudar no debate.

Filha de uma lavadeira e de um pedreiro, ela passou a morar na favela do Chapéu-Mangueira, no Leme, após nascer, e lá foi criada junto de seus 14 irmãos. Começou a trabalhar ainda na infância para ajudar na renda familiar, vendendo limões e amendoins pela cidade, o que a fez interromper seus estudos.

Apesar das dificuldades, ocupou espaços de representatividade desde jovem, ainda em sua realidade local. Entre os anos 1960 e 1970, reuniu mulheres no Chapéu-Mangueira para dar visibilidade à situação precária da comunidade, e fundou o departamento feminino da associação de moradores da região.

Atuou, em maior escala, na Federação das Associações das Favelas e no Centro de Mulheres de Favelas e Periferias, o que lhe ajudou a conquistar seu primeiro mandato eletivo, em 1982, como vereadora do Rio –foi a primeira mulher negra no Legislativo municipal.

No mesmo ano, formou-se em Serviço Social após retomar os estudos e ter concluído um curso de auxiliar de enfermagem. Trabalhou como professora e alfabetizou adultos na escola comunitária do Chapéu-Mangueira.

Ajudou a fundar o PT, sigla da qual nunca saiu. Em 1986 tornou-se deputada constituinte e, junto com Paulo Paim (PT-RS), Edmilson Valentim (PC do B-RJ) e Carlos Alberto Caó (PDT-RJ), formou uma bancada informal em torno da constitucionalização de direitos e garantias básicas.

Entre as bandeiras levantadas à época, que só foram regulamentadas anos depois, estavam: tornar o crime de racismo inafiançável, incluir o ensino da história da África no currículo escolar, avançar com a titulação de terras quilombolas, garantir direitos aos trabalhadores, em especial, as domésticas, e instaurar a política de cotas nas universidades.

“Esse quarteto funcionou muito bem na Constituinte”, afirmou a deputada.

Lutar pela garantia dos direitos das trabalhadoras domésticas –na sua grande maioria são mulheres negras– foi uma das bandeiras de destaque da carreira política da parlamentar, que iniciou lá na elaboração da Constituinte.

Mais de 20 anos depois, Benedita foi relatora da PEC das Domésticas, que garantiu direitos à categoria –a proposta de emenda foi aprovada em 2013, no governo Dilma Rousseff (PT).

Após a Constituinte, reelegeu-se para a Câmara como a mais votada do PT fluminense, com 53 mil votos, e em 1994, conquistou uma vaga no Senado, sendo a segunda mulher negra a ocupar uma cadeira na Casa –a primeira foi Laélia de Alcântara.

Renunciou em 1998 para concorrer, com sucesso, a vice-governadora do Rio na chapa de Anthony Garotinho, e em 2002, assumiu a chefia do Executivo estadual, sendo a primeira mulher negra a governar um estado brasileiro.

Foi ainda ministra da Assistência Social de Lula no primeiro mandato do petista, e secretária de Assistência Social no governo de Sérgio Cabral (MDB). Tentou a reeleição ao governo, sem sucesso. Em 2011, volta à Câmara, onde se mantém até hoje.

Tentou chegar à Prefeitura da capital fluminense em 1992 e em 2020, mas também não conseguiu –na primeira tentativa, terminou em segundo lugar, e na candidatura mais recente, amargou uma quarta posição.

A deputada é uma das autoras, com Maria do Rosário (PT-RS) e Damião Feliciano (PDT-PB), do projeto de lei para a atualização da Lei de Cotas nas universidades, sancionada pelo presidente Lula no dia 13 de novembro.

“Nós agora temos uma ampliação que não vai apenas até o ensino superior, nós temos uma inclusão importante de pessoas com deficiência e também indígenas.”

A deputada vê com otimismo a medida. Ela lembra que batalha pela aprovação da lei de cotas há muitos anos, desde a Constituinte, e, que, quando governadora do Rio de Janeiro, implantou a política de cotas raciais e sociais na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) –primeira universidade a adotá-la, em 2003.

“Eu não vejo, depois da criminalização da prática de racismo e da própria Lei Áurea, uma ação tão nacional e tão importante quanto a política de cotas. É a lei mais importante deste século”, disse a deputada.

Evangélica e frequentadora da Assembleia de Deus, representou na eleição passada um elo de comunicação entre o segmento e o então candidato Lula (PT), diante da adesão de seus correligionários a Jair Bolsonaro (PL).

Benedita afirma que não faz parte da bancada evangélica, apesar de ser religiosa, mas, integra sim a frente evangélica. Grupo criado, inclusive, por ela em 1988.

A parlamentar lembra que quando chegou à Câmara dos Deputados foi convidada por assessores para um momento de oração. “Na hora do almoço, eles saiam e iam orar embaixo de uma árvore lá na Câmara. Eu fiquei observando e me juntei àquelas pessoas.”

A deputada afirma que é respeitada pelos parlamentares da bancada e continua participando dos cultos. Ela diz que sempre foi uma pessoa elegante ao discordar quando a frente tem um posicionamento político do qual ela não concorda. “[Por exemplo] essa discussão esquizofrênica de política de gênero, não tem como acompanhar nesse sentido.”

Raio-X | Benedita da Silva, 81

Nascida em 1942, é deputada federal em seu quinto mandato. Foi a primeira mulher negra vereadora do Rio de Janeiro, única mulher negra constituinte, em 1986, e primeira mulher negra a governar um estado brasileiro, em 2002, quando assumiu o Governo do Rio, após a saída de Anthony Garotinho do cargo. Foi ainda senadora em 1994. Pautou sua vida parlamentar e política pela defesa de minorias sociais e de enfrentamento ao racismo nos espaços de poder, e colaborou com a fundação do PT, seu partido até hoje.

MATHEUS TUPINA E PRISCILA CAMAZANO / Folhapress

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