Inteligência artificial não é o problema, mas a falta de empregos, diz André Dahmer

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – André Dahmer se sente enganado. Na virada para o século 21, quando a internet começava a se popularizar e parecia indicar um futuro melhor e mais democrático, o mundo digital não anunciava o horror que o cartunista identifica hoje.

“O mundo se fechou. Estamos presos a duas ou três grandes redes, só com informações curtas e rasas. É assustador”, diz o autor de 49 anos. “Você mora num shopping center. É o contrário do que me prometeram”.

É um pessimismo que ele expressa nas tirinhas publicadas na Folha de S.Paulo e no jornal O Globo diariamente há quase 20 anos, e que só azedou durante a pandemia. As tirinhas dessa época, em particular, saem agora na coletânea “Quadrinhos dos Anos 20”, pela Companhia das Letras, com lançamento em São Paulo nesta sexta-feira, às 20h30, na loja de quadrinhos Monstra.

Os avanços tecnológicos atormentaram o cartunista quando, no início de novembro, ele e outros dois jurados do prêmio Jabuti classificaram como semifinalista uma capa do livro “Frankenstein”, feita com auxílio de inteligência artificial.

O mundo editorial e artístico se dividiu, mas, depois da grita, o trabalho de Vicente Pessôa saiu do páreo. Na ocasião, Dahmer disse que não reconheceu o nome da ferramenta na ficha, mas tampouco viu má-fé na inscrição.

“Não sou contra a inteligência artificial, seria como um discurso antivacina”, diz ele. “O problema não é a tecnologia, mas os empregos estão acabando e agora só há trabalho. O rapaz que fazia uma marca para uma pizzaria pequena não pode mais ganhar dinheiro, agora basta ir num desses sites e o desenho fica pronto.”

Nas suas tirinhas, o horror do mundo digital está encarnado no algoritmo, que o artista representa como um sujeito com traje de proteção nuclear, sempre à espreita, ouvindo as reclamações e preferências das pessoas, pronto para vender algum absurdo com uma linguagem simpática –mas, no fundo, violenta.

“Sentimos falta de você!”, diz o personagem a um homem, feliz pela mensagem. “Vimos também que você abandonou um produto no carrinho”, completa o protagonista dessa coletânea.

“É uma adaptação da publicidade aos nossos tempos”, afirma Dahmer. “Há nessa linguagem uma tentativa de humanizar uma coisa dura, desumanizada”.

Esse humor ácido se estende a todo um panorama do mundo digital, desde o compartilhamento de teorias da conspiração e protestos contra o fascismo, até questões como a invasão de privacidade, a falta de contextualização de notícias, fofocas, dicas milagrosas e o excesso de violência que compõem “o Brasil medieval”, como ele batiza uma das suas séries de histórias.

O próprio título, apesar de remeter à década de 2020, também é uma pontada no visível retrocesso que ele identifica no mundo atual, como se tivéssemos voltado a dificuldades do século passado. “Estamos repetindo os horrores da revolução industrial, nas minas de carvão, só que na época da revolução digital.”

Mas as redes sociais, ao menos, deram visibilidade a, por exemplo, cartunistas que não tinham onde publicar? Dahmer tem suas dúvidas. “A tirinha clássica tem algo de imediatismo e isso combinou desde o início com a internet”, afirma. “Mas o que vejo nas redes são até médicos e dentistas tendo de dançar para ter alguma visibilidade. Todos nós acabamos trabalhando um pouquinho de graça. Mais uma vez, os invisíveis são os que tem menos dinheiro.”

QUADRINHOS DOS ANOS 20

Quando: Lançamento na sexta (1º), às 20h30

Onde: Loja Monstra – pça. Benedito Calixto, 158, São Paulo

Preço: R$ 99,90 (240 págs.); R$ 44,90 (ebook)

Autoria: André Dahmer

Editora: Quadrinhos na Cia.

HENRIQUE ARTUNI / Folhapress

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