Expansão de idiomas bantos na África se deu em meio a avanços militares e alianças

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – A análise do DNA de milhares de africanos atuais e de alguns que viveram há centenas de anos ajudou a traçar um retrato genético da expansão dos bantos, grupo que está na origem de cerca de um terço da população da África e também da maioria dos brasileiros cujos ancestrais foram trazidos do continente.

Os dados do genoma indicam que a jornada dos agricultores bantos, que começou na África Ocidental por volta de 5.000 anos atrás, seguiu uma rota que atravessou as florestas tropicais do Congo e foi absorvendo antigos povos de caçadores-coletores e pastores em seu caminho.

O resultado foi a diversificação de uma ampla gama de culturas aparentadas, que hoje são as mais importantes numa faixa que vai do litoral do Atlântico ao do Índico, em países como Angola, Moçambique, Quênia, Zimbábue e África do Sul, entre outros. No total, cerca de 350 milhões de africanos falam idiomas bantos.

Os detalhes do trabalho acabam de sair no periódico científico Nature, um dos mais importantes do mundo. O trabalho foi coordenado por Carina Schlebusch e Cesar Fortes-Lima, ambos ligados ao Programa de Evolução Humana da Universidade de Uppsala, na Suécia.

A dupla e seus colaboradores analisaram o DNA de 1.763 indivíduos nascidos em 14 países africanos, a maioria dos quais pertencentes a etnias bantas. Os dados incluem ainda o genoma completo de 12 indivíduos que viveram no fim da Idade do Ferro na África, com idades que vão até cerca de 700 anos antes do presente.

Em muitos aspectos, a situação dos bantos lembra a dos indo-europeus, povo que parece estar por trás da origem de quase todas as línguas europeias, do português ao russo. Análises comparativas feitas por linguistas desde o século 19 mostraram que uma ampla faixa de território da África tropical e subtropical é habitada por povos que falam idiomas descendentes de um ancestral comum remoto, que foi se espalhando e se diversificando ao longo dos séculos.

Esse fenômeno de expansão linguística, quando é detectável, provavelmente aconteceu num período relativamente recente da pré-história, já que, em períodos mais longos, as pistas sobre o parentesco entre idiomas tendem a desaparecer. Além disso, o padrão de diversidade das línguas aparentadas costuma dar pistas sobre o local de origem delas. Em geral, as regiões em que há maior concentração de diversidade costumam ser os “berços” linguísticos, enquanto essa diversidade vai se diluindo conforme os idiomas se afastam do núcleo original.

Esse processo pode se desenrolar de várias maneiras. O idioma ancestral pode se espalhar por meio da migração de seus falantes para novas terras, mas também pode acontecer que a língua original se difunda por causa de sua influência política, econômica e cultural.

Os dados genômicos, combinados aos linguísticos, deixam claro que o fenômeno da expansão dos bantos bate mais com o primeiro cenário. Saindo inicialmente da região entre os atuais Nigéria e Camarões, os primeiros grupos bantos seguiram para o leste e para o sul.

“As populações dos bantos inicialmente usavam técnicas avançadas de criação de gado e agricultura e, posteriormente, começaram a empregar a cerâmica e os metais”, explicou à Folha de S.Paulo Cesar Fortes-Lima, cuja família é oriunda de Cabo Verde —o que explica seu nome português— e que cresceu na Espanha.

“Desde sua expansão inicial, seus padrões de diversidade genômica foram diminuindo de maneira progressiva até os limites de sua distribuição. Esses padrões também estão correlacionados com uma diminuição de diversidade linguística das populações mais distanciadas da área ocidental e central da África”, resume ele.

As áreas para as quais os bantos se expandiram não eram vazios populacionais, o que significa que aconteceu um complexo processo de miscigenação com os povos que já habitavam essas regiões. É algo que pode ter envolvido avanços militares, alianças, trocas comerciais e diversos outros elementos. “No oeste da África, a miscigenação foi com populações de caçadores-coletores; no oeste, majoritariamente com as populações que falam línguas nilo-saarianas e afroasiáticas [parentes dos idiomas do Sudão e da Etiópia, respectivamente]; no sul, com as de idiomas khoisan [famosos por seus “cliques”, ou estalos de língua]”, afirma Fortes-Lima.

“Os padrões de mistura étnica mostram alguns sinais clássicos de assimetria entre linhagens femininas e masculinas”, diz Carina Schlebusch. “Estudos anteriores mostraram que houve uma incorporação significativa de mulheres locais nos grupos bantos em expansão.”

De acordo com a pesquisadora, embora o estudo recém-publicado não tenha obtido DNA de grupos muito antigos, isso deve mudar em breve. “Na África, apesar dos desafios do clima [que tende a degradar o material genético], cada vez mais estamos descobrindo amostras viáveis de material genético. Dados os avanços da tecnologia, podemos esperar um grande crescimento dos estudos de DNA de sítios arqueológicos africanos no futuro próximo.”

REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress

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