SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O conflito sobre a região de Essequibo, ou Guiana Essequiba como é chamada na Venezuela, remonta aos anos de domínio colonial de potências europeias na América Latina, mas o que move a disputa agora é um misto de retórica política e interesse econômico.
No começo do século 19, a Venezuela tornou-se independente da Espanha. Na partilha posterior da região ao norte do Brasil, um tratado entre Reino Unido e Holanda deu, em 1814, terras que eram de Amsterdã na margem esquerda do rio Essequibo.
Em 1831, ela comporia dois terços da nova Guiana Inglesa, vizinha da Francesa, até hoje território de Paris, e da Holandesa, que se tornou o Suriname independente em 1975.
Os venezuelanos disputavam a divisão, e uma comissão internacional foi formada em Paris para arbitrar a questão de Essequibo. Em 1899, um laudo deu posse definitiva da área para os britânicos. Isso perdurou até o fim dos anos 1940, quando recomeçou uma campanha de Caracas, agora baseada na acusação de que o acordo era fraudulento e fora influenciado por Londres.
Novas negociações ocorreram e, em 1966, foi firmado o Acordo de Genebra entre Londres e Caracas. Segundo ele, todos concordavam em discordar: a Venezuela firmava sua rejeição ao laudo de 1899 e o Reino Unido, sem fazer isso, aceitava discutir a questão fronteiriça até haver uma “decisão satisfatória”.
Poucos meses depois, contudo, a Guiana tornou-se independente, e Essequibo representava dois terços de seu território. As negociações não prosperaram no prazo previsto de quatro anos, um novo protocolo foi firmado e o assunto ficou congelado por 12 anos.
Em 1982, a Venezuela por fim decidiu não ratificar o protocolo e o assunto acabou sendo levado à ONU. Anos de conversas, mais ou menos amigáveis, sucederam-se até a ascensão do chavismo nos anos 2000 em Caracas.
Inicialmente, o presidente Hugo Chávez se mostrou favorável a uma solução amistosa, no que foi seguido por Nicolás Maduro, que o sucedeu após sua morte em 2013 e assumiu poderes ditatoriais em 2017. Mas em 2015, tudo mudou.
O governo em Georgetown fez um acordo com a petroleira americana ExxonMobil para a prospecção do mapa territorial de Essequibo. Foram localizadas reservas potenciais a 190 km da costa, numa área que a Venezuela reivindica. Além disso, o território todo é salpicado de reservas minerais que incluem o precioso urânio, base da indústria nuclear, ouro, bauxita, ferro e outros.
Caracas misturou então ideologia no discurso, acusando a Guiana de vender-se de forma colonizada para os americanos, que por sua vez prometeram mais cooperação militar com o pequeno país caribenho. A ONU voltou a se mexer e indicou a Corte Internacional de Justiça, em Haia (Holanda), como fórum para o caso.
A Venezuela não aceitou, mas o projeto petrolífero avançou e a produção local começou em 2019. Ao todo, foram identificados 11,2 bilhões de barris de reservas, uma enormidade -o Brasil tem provados 15 bilhões de barris.
Os moradores de Essequibo -oficialmente 120 mil mas talvez até 200 mil e 80% deles na costa- passaram a vislumbrar uma prosperidade antes inaudita. Com o avanço da extração, o PIB da Guiana deu saltos. De 2021 para 2022, segundo o Banco Mundial, ele subiu 63% em termos reais, e em 2023 está em US$ 15,3 bilhões.
Em dezembro do ano passado, Georgetown elaborou uma lista de 11 campos petrolíferos costeiros e 3 de águas profundas para serem licitados.
Tudo isso fez crescer o olho venezuelano, dada a crise econômica agônica do país, mas há também fatores políticos. Maduro está sob pressão para permitir que oposicionistas barrados nas cortes que controla de concorrer na eleição do ano que vem possam disputar o pleito, e nada como um tambor nacionalista associado a uma causa popular.
Com isso, anunciou o referendo do domingo (3), que deverá ser facilmente vencido pelas propostas do ditador, até porque a formulação das suas cinco perguntas é toda enviesada, citando supostas ilegalidades cometidas pela Guiana ao longo da história.
A dúvida agora é sobre a real intenção venezuelana, se ir às vias de fato contra um país militarmente desprotegido, mas sob os interesses americanos, ou se tudo não passa de um teatro eleitoral de Maduro.
Para o Brasil, que se viu obrigado a dizer que estava atento e reforçou sua fronteira norte, uma falácia na prática, a situação é incômoda. Lula e o PT são aliados de Maduro, mas historicamente o Itamaraty defende uma negociação.
No limite, um ação militar da Venezuela poderia envolver o Brasil, com efeitos insondáveis -todo dia, cerca de 400 venezuelanos já atravessam a fronteira para Roraima, mas a acolhida não será estendida a tropas rumo a Essequibo.
IGOR GIELOW / Folhapress