SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com movimentos robóticos, uma bailarina recepciona a plateia e, depois, caminha sozinha no palco. Ela repete uma frase que poderia estar num filme de Hollywood. “You know girl” “você sabe, garota” em português. E alterna com outro dizer em inglês: “I am the devil” “eu sou o diabo”, soltando uma gargalhada metálica.
O espetáculo “Paradisaeidae”, em cartaz no Jambu Galpão, questiona o processo de desumanização trazido pelo uso da tecnologia. É uma tendência na dança contemporânea se voltar ao fundamento de uma arte que lida com o corpo, carne e osso.
“No futuro, talvez as pessoas olhem para o presente, reprovando o modo como usamos a internet hoje”, diz Diogo Granato, o coreógrafo. “Seria que nem o modo como reprovamos o tabagismo atualmente”.
Ao fundo, o bate-estaca se inicia. É a música eletrônica do alemão Frank Bretschneider, que parece se recusar a ser música. Ignorando a melodia, o artista faz música a partir de ruídos, que geram ondas senoidais. Lembra o sonorismo, movimento capitaneado, no século 20, por aqueles poloneses doidões, que extraiam a música das coisas.
Seguindo a anti-música, 15 artistas se juntam à cena. Só há um homem no elenco. Com os seios desnudos, irrompendo os collants pretos, elas formam grupos distintos. Daí o nome em latim do espetáculo. O termo “Paradisaeidae” designa uma família de aves que apresenta uma plumagem exuberante.
Granato pensa que os bailarinos, em cena, parecem um agrupamento de pássaros. Entre a tecnologia e o mundo animal, “Paradisaeidae” tem uma premissa humanista em sua coreografia. No processo de criação do espetáculo, Granato se inspirou no manifesto do anti-herói, idealizado pelo artista plástico José Roberto Aguilar.
“Herói é dever/ anti-herói é lazer/ herói é centro/ anti-herói é periferia/ herói é possessivo/ anti-herói é esquizofrênico”, diz um trecho do manifesto. As ideias fizeram a cabeça de um monte de gente da contracultura nos anos 1980. Arnaldo Antunes, Lanny Gordin e Paulo Miklos participaram da Banda Performática do Aguilar, que transmitiu as ideias do manifesto, integrando dança, pintura e música.
Na época, a canção “Você Escolheu o Seu Super-herói Errado” se tornou um sucesso, sendo gravado pelo grupo As Frenéticas. O trio Aguilar, Ivald Granato, pai do coreógrafo, e Hélio Oiticica, pensaram, cada um ao seu modo, a marginalidade do artista na sociedade.
“Para você se humanizar, você precisa aceitar as tristezas da vida”, diz o coreógrafo. “O anti-herói é muito mais humano do que o herói. E a internet é esse lugar do anti-heroísmo, porque ela não é nem uma salvadora nem uma vilã. A internet veio para causar.”
Por isso, uma bailarina dá um beijo no ar, para ninguém. Outra abre bem a boca, como quem grita em silêncio. E ainda há uma terceira, que, com as pernas abertas, transforma o gemido de prazer em um grito de dor. Tal ambivalência se faz ainda no modo como os elementos da dança acrobática se inserem em “Paradisaeidae”.
Sem exceção, os saltos, que se escoram nas paredes do galpão, se voltam ao solo. O ímpeto do voo esbarra, então, na força da gravidade. Do mesmo modo, uma bailarina deixa a sua cadeira de rodas e rasteja pelo solo, rejeitando a jornada dos heróis da Antiguidade Clássica. No processo de criação do espetáculo, Granato desejou que, cada um dos artistas, pusessem em cena sua porção anti-heróica.
Não à toa, a coreografia deixa espaços para a improvisação. “Cada um teve de esquecer a perfeição e o ideal que sempre perseguiu na dança”, afirma o coreógrafo.
PARADISAEIDAE
Quando Até 16 de dezembro. Sex. e sáb. às 19h 30
Onde Jambu Galpão – r. Marco Aurélio, 564 – São Paulo
Preço De R$ 30 a R$ 60
Classificação Livre
Autoria Diogo Granato
GUSTAVO ZEITEL / Folhapress