‘Se não tiver acordo, paciência’, diz Lula após Macron recusar Mercosul-UE

DUBAI, EMIRADOS ÁRABES (FOLHAPRESS) – “Se não tiver acordo, paciência”. Com essa frase, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu neste domingo (3) às declarações do presidente da França, Emmanuel Macron, que disse neste sábado (2) ser contrário às negociações do acordo entre União Europeia e Mercosul.

Lula comentou que já sabia que a França tinha uma posição mais protecionista e que o Brasil não poderá responsabilizado caso o acordo não seja assinado.

“Não foi por falta de vontade. A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil e que não digam mais que é por conta da América do Sul”, disse Lula neste domingo.

Membros do alto escalão do governo brasileiro já dão como certo que a negociação com a União Europeia terminará sem acordo, já que o Brasil não cederá às novas condicionantes ambientais e é improvável que os europeus consigam articular posições de todos os países do bloco em uma semana.

“Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais. E nós queremos ser tratados com respeito de países independentes. Vamos ver como vai acontecer na sexta-feira [dia 8]. Se não tem acordo, pelo menos vai ficar patenteado de quem é a culpa de não ter acordo”, afirmou Lula.

No sábado, Macron classificou o acordo como “antiquado” e incorporou em seu discurso os argumentos dos produtores agrícolas franceses, com forte representação de congressistas de oposição no país.

“Se não posso explicá-lo a nenhum europeu, não vou defendê-lo internacionalmente. Não posso pedir aos nossos agricultores, aos nossos industriais na França, e em toda a Europa, que façam esforços para descarbonizar, para sair de certos produtos, e depois dizer que estou removendo todas as tarifas para trazer produtos que não aplicam essas regras”, disse o presidente francês, em referência à disparidade de normas de proteção ambiental, mais rígidas na França e na União Europeia do que no Brasil.

Nesta quinta-feira (7), haverá a reunião de cúpula dos chefes de Estado do Mercosul, no Rio de Janeiro. Nos últimos dias, negociadores do bloco sul-americano e da União Europeia intensificaram as tratativas para tentar fechar o acordo até o evento.

Na quinta-feira (30), o Ministério das Relações Exteriores informara que houve avanço significativo na negociações, embora não fosse possível afirmar se esse processo seria concluído até a cúpula do Mercosul.

Porém, segundo a agência Reuters, pessoas com conhecimento das negociações afirmam que os países sul-americanos devem aguardar uma posição da Argentina, que terá a posse de Javier Milei como presidente em 10 de dezembro. Milei já afirmou, durante a campanha eleitoral, ser contrário ao acordo e autoridades europeus não acreditam que ele mudará de posição.

Negociações começaram em 1999

Desde 1999, os integrantes do Mercosul e os países da União Europeia negociam um acordo de livre-comércio. As conversas foram interrompidas em 2004 e retomadas em 2010.

A União Europeia é o segundo parceiro comercial do Mercosul, depois da China, e o primeiro em matéria de investimentos. Já o Mercosul é o oitavo principal parceiro comercial extrarregional da União Europeia.

O acordo entre a União Europeia e o Mercosul (bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) foi fechado em 2019, depois de anos de negociações, mas ainda não foi ratificado.

A demora ocorre principalmente por causa da Europa, com peso para o protecionismo agrícola e um movimento do bloco para incluir novos termos no acordo, como exigências ambientais e climáticas.

A França tem sido uma das principais forças de oposição ao acordo nos termos atuais. Os franceses defendem, por exemplo, que os produtos só entrem na UE se seguirem as mesmas condições que o bloco impõe internamente. Isso poderia afetar as exportações agrícolas brasileiras, tanto pela questão da preservação ambiental quanto pelo uso de agrotóxicos banidos na Europa.

Por outro lado, os espanhóis são considerados pelo governo brasileiro como favoráveis ao acordo, até pela proximidade com os países latinos.

O presidente Lula já prometeu concluir o acordo ainda em 2023, mas disse que os atuais termos são impossíveis de serem aceitos, defendendo uma renegociação do texto.

O petista tem criticado o que classifica como “ameaças de sanção” pelo bloco europeu, forças desiguais que fariam com que o Brasil fosse apenas um exportador de commodities e a abertura de licitações públicas para empresas estrangeiras (o que prejudicaria os produtores locais).

Em 2022, o Brasil exportou para União Europeia um total de US$ 50,9 bilhões, sendo petróleo, café e soja os principais produtos vendidos, segundo o ComexStat (plataforma de comércio exterior do governo). No sentido inverso, o país importou US$ 44,3 bilhões do bloco, sobretudo gasolina, fertilizantes e vacinas.

Lula se recusou a renegociar as condicionantes ambientais da Europa. A Folha apurou que, a caminho de Dubai, o presidente brasileiro afirmou a Celso Amorim, principal conselheiro do presidente para assuntos internacionais, que não faria concessões. O presidente ainda teria dito que, se os europeus não aceitassem o acordo até o dia 7 [data da cúpula do Mercosul, no Rio], teriam que esperar a eleição de outro governo no Brasil.

Com informações de Ana Carolina Amaral, que viajou a convite de Avaaz, Instituto Arapyaú e Internews

O que é o acordo?

Acordo facilitará o comércio entre o Mercosul e a União Europeia, eliminando o imposto de importação para mais de 90% dos bens comercializados entre os blocos depois de uma fase de transição. Também prevê viabilizar instrumentos de cooperação em desenvolvimento econômico, social, ambiental e industrial

Por que ele é importante?

O acordo envolve 31 países e promete ajudar a aprofundar as relações com o segundo parceiro comercial do Brasil e seu principal investidor estrangeiro. Quando concluído, deverá compor uma das principais áreas de comércio do mundo, envolvendo cerca de 750 milhões de pessoas e 25% da economia global

Quais serão os principais impactos?

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) estima que mais de 6.600 produtos deixarão de ter impostos de importação cobrados pela UE, e que 95% de todos os bens industriais tenham imposto de importação zerado em até dez anos

O que falta para começar a valer?

O acordo precisa ser ratificado, mas ainda esbarra em novas condicionantes ambientais pedidas pelos europeus, bem como divergências do governo brasileiro sobre prejuízos à reindustrialização do país

IVAN FINOTTI / Folhapress

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