Plebiscito na Venezuela tem 96% de apoio à anexação de Essequibo, diz regime

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, órgão controlado pelo regime de Nicolás Maduro, afirma que 96% dos eleitores que participaram do plebiscito realizado no domingo (3) apoiam a ideia de anexar parte do território da vizinha Guiana.

A votação, que contrariou recomendação da Corte Internacional de Justiça, foi a forma que a ditadura encontrou para dar um verniz de apoio popular à reivindicação de Caracas sobre Essequibo, área que corresponde a quase 70% da Guiana e é rica em recursos como petróleo e minérios.

A consulta popular continha cinco perguntas que induziam à revisão da demarcação dos territórios dos dois países. É “uma vitória evidente e esmagadora do ‘sim’ neste referendo consultivo para Essequibo”, disse o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso. Segundo o órgão, mais de 10,5 milhões dos 20,7 milhões aptos a votar participaram do processo.

Inicialmente, o CNE havia anunciado que os resultados só seriam divulgados a partir da próxima sexta-feira (8). O órgão chavista não explicou por que antecipou os dados e anunciou um boletim poucas horas após o fechamento das urnas. Não há observadores independentes neste pleito, como tem sido recorrente em eleições sob a ditadura de Maduro.

“Demos os primeiros passos de uma nova etapa histórica para lutar pelo que é nosso”, afirmou Maduro na noite de domingo (3). “O povo venezuelano falou em alto e bom som”, declarou. “Cinco vezes sim.” O regime nega, porém, que a consulta vá ser usada como justificativa para invadir e anexar à força a área, como temem os guianenses.

Como disse à Folha de S.Paulo o analista Phil Gunson, do centro de pesquisas Crisis Group, o resultado era esperado por não haver uma oposição sólida no país sobre o tema.

“Não há uma campanha pelo ‘não’ nas urnas, de modo que não haverá testemunhas ou monitoramento nos centros de votação”, afirmou. “Funcionários públicos também são pressionados a participar por seus superiores. E, bem, a Venezuela é um país de ‘listas vermelhas’. Se você não vota quando o governo exige, isso complica sua vida. A economia está em muito mau estado. Nenhum trabalhador almeja isso.”

Embora o sistema eleitoral da Venezuela esteja há anos sob suspeita de irregularidades, há indícios de que o altíssimo índice de apoio no plebiscito não é assim tão anormal. Mesmo as principais figuras da oposição à ditadura, que estão inelegíveis para exercer cargos públicos, também são a favor da anexação.

“Todos sabemos o que aconteceu ontem: o povo suspendeu um evento inútil e prejudicial aos interesses da Venezuela, porque a soberania se exerce, não se consulta”, afirmou a vencedora das primárias da oposição, María Corina Machado. “Agora devemos apresentar uma defesa implacável de nossos direitos na Corte Internacional de Justiça, com a colaboração de nossos melhores especialistas, e demonstrar que Essequibo é Venezuela.”

Já o ex-candidato à Presidência Henrique Capriles afirmou que Maduro “transformou uma oportunidade de fazer algo bom para todos os venezuelanos em um fracasso retumbante”. O partido da oposição Vontade Popular, por sua vez, publicou ao longo do dia fotos do que seriam centros de votação vazios, posteriormente republicadas pelo líder da sigla, Leopoldo López.

“A mensagem de hoje é clara: a defesa de Essequibo passa primeiro pela recuperação da Venezuela. Abaixo a ditadura!”, afirmou o político.

O imbróglio entre os dois países remonta ao começo do século 19, quando a Venezuela tornou-se independente da Espanha. Na partilha posterior da região ao norte do Brasil, um tratado entre Reino Unido e Holanda deu, em 1814, terras que eram de Amsterdã na margem esquerda do rio Essequibo.

Em 1831, elas comporiam dois terços da nova Guiana Inglesa, vizinha da Francesa, até hoje território de Paris, e da Holandesa, que se tornou o Suriname independente em 1975.

Os venezuelanos questionavam a divisão, e uma comissão internacional foi formada em Paris para arbitrar a questão de Essequibo. Em 1899, um laudo deu posse definitiva da área para os britânicos. Isso perdurou até o fim dos anos 1940, quando recomeçou uma campanha de Caracas, agora baseada na acusação de que o acordo era fraudulento e fora influenciado por Londres.

Novas negociações ocorreram e, em 1966, foi firmado o Acordo de Genebra entre Londres e Caracas. Segundo ele, todos concordavam em discordar: a Venezuela firmava sua rejeição ao laudo de 1899 e o Reino Unido, sem fazer isso, aceitava discutir a questão fronteiriça até haver uma “decisão satisfatória”.

Poucos meses depois, contudo, a Guiana tornou-se independente, e Essequibo representava dois terços de seu território. As negociações não prosperaram no prazo previsto de quatro anos, um novo protocolo foi firmado e o assunto ficou congelado por 12 anos.

Em 1982, a Venezuela por fim decidiu não ratificar o protocolo e o assunto acabou sendo levado à ONU, até hoje sem resolução.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, chamou o plebiscito de “ameaça” à paz na América Latina e no Caribe, e declarou que os guianenses “não tinham nada a temer”.

“Estamos trabalhando incansavelmente para garantir que as nossas fronteiras permaneçam intactas e que a população e o nosso país permaneçam seguros”, disse ele numa transmissão no Facebook.

O Ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, e outros altos funcionários do governo, como a vice-presidente Delcy Rodríguez, divulgaram um vídeo no qual indígenas são vistos substituindo uma bandeira da Guiana em um mastro por uma bandeira venezuelana. As autoridades do regime afirmam que se trata da mesma bandeira levantada por Ali na Serra de Pacaraima, na área reivindicada, em 24 de novembro.

Consultado pela agência de notícias AFP, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Guiana, brigadeiro Omar Khan, disse que o vídeo é falso e o descreveu como “propaganda de guerra”.

Redação / Folhapress

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