BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou nesta segunda-feira (4) que a autoridade monetária não pretende fazer mudanças que afetem a capacidade de compra da população brasileira.
A declaração foi dada em meio à discussão sobre os juros do rotativo do cartão de crédito e um eventual redesenho do parcelamento de compras sem juros.
“Em nenhum momento, o BC quer ou vai fazer algum tipo de mudança que influencie a capacidade das pessoas de comprar. Mas é importante a gente olhar o longo prazo. Nosso medo é estar fazendo algo que no curto prazo parece melhor, mas vai inibir o crescimento de crédito sustentável no longo prazo”, disse Campos Neto na live semanal do BC.
O chefe da instituição afirmou que é mais fácil entender os fatos do que encontrar uma solução para o problema. Ele disse que existem distorções que precisam ser resolvidas e defendeu uma ampla conversa com todos os participantes desse segmento.
“O parcelado sem juros ficou com um volume bastante grande, [o mercado de] cartões ficou com uma inadimplência alta. Acabou tendo juros muito altos no rotativo”, disse.
“Em uma indústria de desconto de fluxo de caixa, onde o lojista acaba aceitando um desconto grande para ter antecipação daquele fluxo porque ele aceitou fazer o parcelado grande, só que ele precisa do dinheiro para ter fluxo de caixa. Então, ele aceita um desconto. O desconto é feito a uma taxa maior do que seria a taxa de risco do emissor”, continuou.
Na transmissão da live, que teve mediação do diretor Mauricio Moura (Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta), o presidente do BC voltou a destacar a expansão do parcelado sem juros, que, segundo ele, hoje corresponde a cerca de 15% do crédito no Brasil, e o baixo crescimento do CDC (crédito direto ao consumidor).
Por sua vez, a Abranet (Associação Brasileira de Internet, que representa parte das empresas de maquininhas) afirma em carta enviada ao Banco Central, com base em dados da autoridade monetária, que o percentual é menor e fica por volta de 5%.
A associação também critica a hipótese levantada pelo BC de que o parcelado sem juros poderia estar inibindo o crédito ao consumidor (CDC). Segundo a Abranet, também a partir de dados do BC, quando se avalia a participação das duas modalidades na carteira de crédito composta por cartão de crédito e CDC desde 2001, ambas estão ligeiramente em queda (de 1%). O parcelado sem juros, por outro lado, cresceu 3% nesse período.
No dia 22, em evento da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado, Campos Neto comentou que via possibilidade de o parcelamento de compras sem juros estar inibindo o crescimento do CDC com juros mais baixos.
A limitação do parcelamento de compras sem juros tem sido debatida no âmbito das negociações do setor para reduzir as altas taxas cobradas no rotativo do cartão de crédito. No entanto, há um impasse nas negociações.
De um lado, os bancos querem a limitação do número de parcelas sem juros -defendem um escalonamento até chegar a três parcelas. De outro, empresas independentes de maquininhas refutam a necessidade de mudança da modalidade, alegando que o parcelamento não é causa dos altos juros.
Desde outubro, o BC tem coordenado reuniões com representantes de bancos, adquirentes, cartões e varejo para chegar a uma solução por meio de autorregulação em relação ao juro do rotativo, conforme prevê a lei do Desenrola.
O último encontro ocorreu em 7 de novembro. Desde então, o BC analisa as propostas apresentadas pelos participantes e prepara um estudo próprio sobre o tema.
Se as entidades não chegarem a um acordo com aval do CMN (Conselho Monetário Nacional) até o fim do ano, será aplicável o teto que limita a dívida ao dobro do montante original. A lei não faz nenhuma menção a compras parceladas sem juros.
A iniciativa que passou pelo Congresso e foi sancionada pelo Executivo buscou dar uma resposta à escalada da taxa de juros cobrada no rotativo, acionado automaticamente quando o cliente deixa de pagar a fatura integral dentro do vencimento.
Em setembro, conforme os últimos dados divulgados pelo BC, a taxa média de juros cobrada pelos bancos de pessoas físicas no rotativo ficou em 441,1% ao ano, a linha de crédito mais cara do mercado. Já a inadimplência na modalidade foi de 49,2%.
NATHALIA GARCIA / Folhapress