SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A taxa de infecção por HPV (papilomavírus humano) na região anal atinge 52% dos jovens brasileiros entre 16 e 25 anos que já iniciaram a vida sexual, com maior prevalência entre as mulheres (63,2% contra 36,8% entre os homens).
Os resultados, obtidos pela reportagem, são da primeira pesquisa nacional sobre o tema, feita a pedido do Ministério da Saúde, e mostram uma taxa de infecção anal muito semelhante à da região genital (58,6 %).
O HPV envolve um grupo de mais de 150 vírus, dos quais pelo menos 13 estão associados a vários tipos de câncer, como o de colo uterino, o de ânus, o de pênis e o de cabeça e pescoço.
O trabalho fez parte de um grande levantamento nacional sobre o impacto da vacina contra o HPV disponível no SUS desde 2014 para meninas e meninos de 9 a 14 anos. Nesta atual etapa, foram avaliados 12,8 mil jovens de todas as regiões brasileiras.
Liderada pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS), por meio do Proadi (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS), a pesquisa deve subsidiar o ministério em novas ações de reforço da imunização.
Nos últimos anos, o país enfrenta queda da cobertura da vacinação contra o HPV. Em 2022, entre as meninas, a primeira e a segunda dose tiveram, respectivamente, 75,91% e 57,44% de adesão.
Entre os meninos, os números são ainda menores: 52,26% na primeira aplicação e 36,59% na segunda. Os dados deste ano ainda não estão consolidados.
A vacina quadrivalente é indicada para a prevenção de verrugas genitais (HPV 6 e 11) e de tumores relacionados ao HPV 16 e 18, como o de vulva, vagina, colo uterino, ânus, cavidade oral, traqueia e pênis.
Segundo a líder da pesquisa, Eliana Wendland, médica epidemiologista do Moinhos de Vento, as altas taxas de infecção anal pelo HPV foram surpreendentes. “Estamos falando de uma população extremamente jovem que está sob risco de desenvolver câncer anal.”
A infecção por HPV está associada a 90% dos casos de câncer de ânus, um tipo de tumor que vem aumentando em vários países nas últimas décadas.
Nos Estados Unidos, em 15 anos, a taxa de crescimento foi de 3% ao ano, e já existe proposta de rastreamento para câncer anal da mesma forma do que é feito hoje para o cervical.
Diferentemente do que muitos imaginam, a infecção do HPV no ânus não está diretamente relacionada à prática de sexo anal. Ela acontece também entre aqueles que não o praticam.
“Outros estudos fora do Brasil já demonstraram que mulheres que não faziam sexo anal tinham taxa de infecção de HPV anal semelhante ao do genital. A gente pode inferir que, pela proximidade dessas regiões, pode ocorrer a infecção em diferentes sítios”, diz Wendland.
Outros estudos fora do Brasil já demonstraram que mulheres que não faziam sexo anal tinham taxa de infecção de HPV anal semelhante ao do genital. A gente pode inferir que, pela proximidade dessas regiões, pode ocorrer a infecção em diferentes sítios
médica e líder da pesquisa
Em relação aos homens, a explicação é semelhante. “Na população avaliada, poucos faziam sexo anal, mas tinham infecção por HPV na região. Pode ser contaminação na hora do sexo. Ou seja, não precisa fazer sexo anal para ter HPV anal.”
Ela afirma que, em metade das mulheres avaliadas, o tipo de HPV encontrado na região anal era de alto risco para câncer. “Isso é muita coisa”, reforça a médica. Entre os homens, a taxa foi de 29%.
“A pesquisa traz algo importante que é mostrar para a população que o HPV está associado a câncer em outras regiões, como a anal, e que a vacina não é apenas contra o câncer de colo de útero. É uma vacina contra vários tipos de câncer que podem afetar homens e mulheres”, diz Eder Gatti, diretor do PNI (Programa Nacional de Imunizações), do Ministério da Saúde.
O estudo demonstrou um impacto positivo da vacina quadrivalente nos índices de infecção anal por HPV. Entre os vacinados, a taxa ficou em 3,1% e entre os não imunizados, em 10,9% (para os sorotipos de vírus presentes na vacina).
Na rede privada, há uma outra vacina formulada com nove sorotipos. O preço da dose está entre R$ 800 e R$ 950 em adultos, a recomendação é de três aplicações.
De acordo com o estudo, os tipos de HPV contidos na vacina nonavalente também apresentaram uma redução importante nas taxas de infecção: de 30,2% para 24,7%.
Para a epidemiologista, os resultados reforçam a necessidade de se intensificar a vacinação contra o HPV entre homens e mulheres e de se pensar em estratégias de rastreamento para essa população jovem. “Usando técnicas de detecção de HPV tanto para câncer cervical quanto para o anal.”
O país tem estudado uma troca da atual citologia (papanicolau) pela técnica molecular de detecção de HPV. “Isso faz com que eu faça o rastreamento de pessoas em risco. Quando eu faço a citologia, eu estou rastreando uma pessoa que já tem uma lesão.”
Os dados sobre o estudo nacional sobre HPV foram apresentados na semana passada, em Porto Alegre (RS), e ainda devem ser publicados em uma revista científica.
Eles representam a segunda fase de um projeto iniciado no triênio 2015-2017, por meio do Proadi, em que foi avaliada a taxa de infecção por HPV genital e oral em uma população de jovens entre 16 e 24 anos não vacinados.
Agora, no triênio 2020-2023, o estudo analisou jovens dessa mesma faixa etária para verificar a taxa de infecção nas regiões genital e anal entre os vacinados e os não vacinados.
Segundo Wendland, os resultados mostram uma redução importante da infecção por todos os tipos de HPV contidos na vacina quadrivalente.
Quando comparados os dados dos não vacinados com os vacinados, as taxas de infecção genital do HPV caíram de 15,6% para 3,6%.
Wendland diz que a vacina disponível no SUS se mostrou efetiva também para outros tipos de HPV (além dos quatro presentes no imunizante). “É o que a gente chama de reação cruzada. Os vírus de HPV têm uma semelhança genética e estrutural. Quando eu vacino contra os tipos 16 e 18, há um impacto, ainda que menor, sobre o 33 também.”
Gatti, do PNI, diz que os resultados da pesquisa irão subsidiar o ministério em ações de enfrentamento da queda da cobertura vacinal do HPV.
Segundo ele, a atual gestão lançou frentes para reverter essa tendência não só em relação à vacina do HPV mas a todos imunizantes cobertos pelo PNI, entre elas, a campanha de multivacinação e um a ação direta com os municípios com desenvolvimento de estratégias regionais voltadas aos desafios locais.
“O município precisa sair da sala de vacina e vacinar onde os não-vacinados estão, com nos casas e no ambiente escolar.”
Ele afirma que, a partir dessas ações, há expectativa de que a queda vacinal entre os adolescentes já tenha apresentado algum sinal de melhora neste ano, especialmente em relação às vacinas contra o HPV e a meningite (meningocócica ACWY). Os dados de 2023, porém, ainda não estão fechados.
Uma outra frente, explica Gatti, é a unificação de dois sistemas de informação que reuniam informações sobre vacinação para uma só plataforma, chamada de RNDS (Rede Nacional de dados em Saúde).
As notícias falsas em torno da vacina do HPV representam um outro desafio, segundo ele. Entre as estratégias de enfrentamento, o ministério tem monitorado o que é veiculado na imprensa e nas redes sociais e dando respostas sejam rápidas para evitar a disseminação de fake news.
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CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress