O número de empresas dispostas a atuar no mercado de apostas esportivas no Brasil surpreendeu o Ministério da Fazenda, que agora corre contra o tempo para aprovar a proposta no Senado e impedir desidratações.
Após abrir um chamado público, a pasta recebeu 132 manifestações de interesse de companhias para participar do setor –em processo de regulamentação. A quantidade é quatro vezes a esperada inicialmente.
A expectativa agora, segundo integrantes da Fazenda, é que cerca de cem dessas companhias efetivem sua atuação no mercado. Considerando o valor estipulado pelo projeto para a outorga, isso significa em torno de R$ 3 bilhões ao governo federal mais a arrecadação de impostos.
A estimativa, porém, depende de o texto não ser mais alterado em seus principais pontos. Além disso, precisaria ser aprovada ainda neste ano para que possa contribuir inteiramente com os objetivos fiscais do governo para 2024.
Oposição e setores conservadores do Congresso ainda tentam mudar a proposta, sobretudo para retirar a brecha para a existência de cassinos online.
Na última sessão do plenário do Senado, por exemplo, o projeto estava na pauta e havia a expectativa de que fosse votado, mas a deliberação acabou adiada, sobretudo por manifestações destas alas da Casa –que desde antes já vêm protestando contra esse ponto.
Com muitos parlamentares em viagem, o tema deve ser votado na próxima semana.
A proposta que regulamenta as apostas de alíquota fixa, na qual estão inclusas as apostas esportivas, foi enviado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inicialmente como MP (medida provisória), mas depois transformada em projeto de lei após acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Na Casa, os deputados estipularam o valor de R$ 30 milhões por outorga –valor pago em troca da autorização para uma empresa atuar no setor–, com prazo de três anos, e mantiveram uma taxa às empresas de 18% do ganho obtido, como propunha o governo federal.
Os parlamentares reduziram o repasse de verba para a área social, enquanto turbinaram o montante dado para duas pastas controladas atualmente pelo centrão –Esporte e Turismo.
Na Câmara, foi incluído um trecho que permite a existência dos jogos pela internet, o que inclui os cassinos online.
O texto classifica como apostas de alíquota fixa os “eventos reais de temática esportiva” e também os “virtuais de jogos online” –tal dispositivo inclui os games, ou eSports, mas também abre brecha para jogos de azar em ambiente virtual.
Já no Senado, foi ampliado o prazo das outorgas para cinco anos e reduzido o percentual da arrecadação a ser pago ao governo –de 18% para 12%, no caso das casas de aposta.
Apesar das mudanças, foi mantido no texto o trecho sobre jogos online.
O dispositivo é importante porque, segundo a expectativa do Ministério da Fazenda, com base nos mercados de outros países do mundo, cerca de 60% da receita do setor –e, portanto, da arrecadação– vem deste segmento.
O trecho é criticado por senadores ligados à bancada evangélica e à oposição, como Eduardo Girão (Novo-CE) e Carlos Portinho (PL-RJ).
“Acredito que é um exagero a gente tratar no projeto, que nasceu para jogos reais, de jogos virtuais”, afirma Portinho. Ele afirma que trabalha para aprovar emendas que alterem este trecho da proposta, que na sua visão, geraria poucos empregos no Brasil.
“Os jogos virtuais geram emprego na China, na Rússia, onde estão os desenvolvedores destes programas”, diz.
“Pegaram um projeto bom em essência, e necessário, e incluíram outras modalidades de jogos que despertam outras preocupações. Não é só arrecadação, governo tem que estar preocupado com a ludopatia [compulsão por jogos] e com a manipulação”, completa.
A manutenção do dispositivo é importante para o governo, uma vez que, sem ele, a proposta pode trazer menos arrecadação para a União, prejudicando os objetivos fiscais do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Quando a proposta começou a tramitar, o governo previa de R$ 6 bilhões a R$ 12 bilhões em arrecadação. Para o Orçamento de 2024, no entanto, foi previsto apenas R$ 2 bilhões.
Mas, para essa projeção, a Fazenda usou como estimativa que fossem concedidas cerca de 30 outorgas, quantidade bem maior que as mais de 130 manifestações de interesse recebidas pela pasta.
Agora, há a expectativa de R$ 3 bilhões em autorizações, sem contar o que a União poderia receber em arrecadação de impostos.
Pessoas envolvidas nas negociações no Senado, no entanto, atribuem este número à forma do projeto como ele está agora, uma vez que a chamada pública foi aberta pela Fazenda com base no relatório atual.
Pressionada para conseguir atingir a meta fiscal para 2024, a Fazenda espera que o projeto das apostas seja aprovado ainda neste ano, mas vê com preocupação o pouco prazo que existe para isso –depois de passar no Senado, ele ainda precisa voltar para a Câmara, antes de ir à sanção.
Ainda, uma série de outras medidas econômicas ainda precisam terminar de tramitar no Congresso até o final do ano, sobretudo a Reforma Tributária. E o governo também negocia com parlamentares para tentar manter os vetos aplicados por Lula aos projetos do Carf, do arcabouço fiscal e da desoneração da folha de pagamento –todos estes fundamentais para os planos econômicos do Executivo no próximo ano.
“O Brasil deverá ser em 2025 a maior praça do mundo de operação das bets. Fruto de impostos atrativos para os jogadores e competitivo para as casas de aposta. E quem sairá ganhando é o povo brasileiro com recursos extras, aplicados em vários segmentos”, afirmou o relator do texto no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA).
JOÃO GABRIEL / Folhapress