Na Art Basel Miami Beach, Brasil mostra bananas, política e rigor concretista

MIAMI BEACH, EUA (FOLHAPRESS) – Lá vem o sol. As temperaturas tórridas destes tempos de revertério climático parecem só ter aumentado a sede dos galeristas que vêm em peso a Miami Beach, uma tripinha de terra na costa do estado americano da Flórida, para a feira Art Basel, o centro nervoso do mercado latino-americano.

Nos bares à beira-mar, a conversa, entre uma taça e outra de rosé, não foge do assunto. Uma colecionadora, feliz depois de um pulo no Atlântico, dizia mesmo que um bom quadro é como um bom vinho. Galeristas equilibram a agenda acelerada de montagem e vendas com um tempinho para o bronze –não é todo dia que dá praia no mundinho da arte.

Mas, em Miami Beach, parece dar quase sempre, tamanha a fúria das vendas e o rolo compressor de festas, coquetéis e que tais para anunciar o mais novo nome do mais novo lugar do globo que desponta num cenário movido a egos inflados, quantidades industriais de álcool, uma pegada de carbono de arrepiar –haja jatinhos e iates– e, claro, pinturas, esculturas, fotografias, filmes e performances.

O Brasil trouxe bananas à festa. Duas galerias do país, as paulistanas Casa Triângulo e Paulo Kuczynski, mostram uma seleção da famosa série de Antônio Henrique Amaral que retratou a fruta sendo cortada, garfada, amarrada e, por fim, pulverizada.

Era sua alegoria dos tempos da nossa ditadura militar. Fugindo da censura, Amaral fez de suas bananas um retrato da gente oprimida, encarcerada e morta pelo regime. “É a banana amarrada, torcida, mas é claro que é gente. Você amassa e sai sangue”, diz Kuczynski, dono da galeria que leva seu nome. “O interesse aqui vai ser enorme.”

Na visão do galerista, o comprador americano não estranharia a linguagem pop do artista, nome central da nova figuração brasileira, afinal, o diálogo com o pop do país de Warhol é evidente nas telas de Amaral, que chegou a viver em Nova York uma época.

Essa brasilidade fluida, aliás, que flerta com o pop de um lado e ao mesmo tempo faz um retrato visceral de um país aos farrapos, é só uma das imagens do país que surge na feira.

Há apostas mais cerebrais, como a belíssima seleção de esculturas e pinturas do modernista Amilcar de Castro, na Almeida e Dale, trabalhos históricos de Lygia Pape, na White Cube, as instalações de Waltercio Caldas e Iole de Freitas, na Raquel Arnaud, e os bordados delicados de Leonilson, na Marilia Razuk.

Outro Brasil, mais urbano, violento e desigual, aparece em dois polos do espectro. A Galatea mostra os trabalhos de Allan Weber, artista que despontou na pandemia por fotografias que fazia enquanto trabalhava como entregador de aplicativo. Suas obras agora, como telas de retângulos brancos, remetem tanto ao concretismo, com economia total de cores e rigor geométrico, quanto ao tráfico de drogas dos morros cariocas e seus pacotes de cocaína.

Na outra ponta, a galeria Lehmann Maupin criou uma espécie de capela para a dupla Osgêmeos, em que os bonecos dos irmãos criados no berço da cultura do hip-hop e do grafite em São Paulo ocupam todo o espaço, transfigurando em cores berrantes a força de uma arte que nasceu no coração cinza da metrópole.

Outra seleção forte está na galeria Millan, com uma série de pinturas da artista Fran Chang, agora em franca ascensão no circuito global, esculturas de Tunga e trabalhos de tecido de Guga Szabzon e Vivian Caccuri, esta última antes mais conhecida por sua longa trajetória trabalhando com som e performances.

E há ainda boas surpresas. A jovem artista brasileira Sallisa Rosa, que vem despontando no circuito do país, tem em Miami Beach uma enorme instalação criada para um pavilhão num parque público, além da presença na feira, onde tem uma sala só dela na Gentil Carioca.

Rosa trabalha com cerâmica e argila, criando verdadeiras constelações de elementos que pendem do teto, como planetas em órbita, ou brotam do chão como totens que rasgam a superfície do piso. Todo o seu trabalho, ela diz, tem a ver com guardar memórias da família no gesto de moldar a terra.

Não é de hoje o interesse do mercado por trabalhos com fortes elementos táteis como as dela, peças que dão vontade de pôr a mão, daí a overdose em feiras pelo mundo de arte têxtil, de cerâmica e de pinturas carregadíssimas de tinta, quase esculturas de pigmento. É talvez um reflexo do mundo sequestrado por telas que nos afligiu durante a pandemia.

Outras telas, em especial pinturas, dominam esta Art Basel Miami Beach. Pintura sempre vende, dizem os galeristas, e há um fundo de verdade nisso. Mas o volume absurdo de telas figurativas e coloridíssimas na feira também é um indício do que muitos veem como um mercado ainda em lenta recuperação pós-pandemia –sinal dos tempos, a Fortes, D’Aloia & Gabriel, uma das principais casas paulistanas que marcava presença todo ano em Miami Beach, desistiu de vir neste ano.

Num cálculo rápido, uma galeria precisa vender mais de R$ 1 milhão em obras nos cinco dias de feira para ficar no zero a zero, sem lucro nenhum e pagando artistas e funcionários. Esta que é a maior vitrine comercial para artistas latino-americanos é uma vitrine também caríssima, e muitas vezes a conta não fecha.

Os que acreditam que agora vai, um milagre natalino em plena paisagem tropical, tentam não derrapar na seleção. “Essa é uma feira para a qual a gente guarda só coisas incríveis”, diz Felipe Dmab, um dos sócios da Mendes Wood DM, galeria com sedes em São Paulo, Nova York, Paris e Bruxelas.

Aos incríveis –esculturas de Lynda Benglis e Julien Creuzet, que representará a França na Bienal de Veneza do ano que vem, megapinturas de Paulo Monteiro, Matthew Lutz-Kinoy, Antonio Obá, Paulo Nimer Pjota e outras telas menores de Lucas Arruda e Lorenzato, artista que vem se tornando onipresente em feiras desde sua redescoberta pelo circuito anos atrás.

O calendário também ajuda. Thiago Gomide, da Gomide & Co, vendeu um Lorenzato de US$ 120 mil nos primeiros minutos da feira e descarta qualquer conversa sobre uma economia mais devagar, lembrando que esta Art Basel acontece em paralelo ao desfecho da atual Bienal de São Paulo, que alavancou o passe de dezenas de artistas antes desconhecidos no circuito, e meses antes da abertura da Bienal de Veneza do ano que vem, que terá pela primeira vez um latino-americano no comando, o brasileiro Adriano Pedrosa, do Masp.

“Estamos no lugar certo na hora certa”, diz Gomide. Sua seleção tem uma série de telas de Hélio Melo, artista do Acre que pintava com pigmentos naturais à base de plantas amazônicas, e uma escultura de Advânio Lessa, uma espécie de árvore surreal toda retorcida. Os dois artistas também tiveram trabalhos vendidos no primeiro dia de feira –no caso de Melo, uma tela de quase R$ 1 milhão.

Outros que tentam estar no lugar certo são os galeristas do mercado emergente que ocupam as feiras satélite ao redor da gigante Art Basel Miami Beach. Na Untitled, numa tenda montada na areia da praia, onde as obras brigam pela atenção diante da vista do mar azul turquesa, a Verve mostra trabalhos do jovem pintor Adriel Visoto, delicadas visões do cotidiano de um rapaz gay, e de Gustavo Rezende, outro artista que se debruça sobre o dia a dia.

Na cabeça deles e dos galeristas, resta esperar que o tempo siga firme e que o sol não pare de brilhar no balneário.

SILAS MARTÍ / Folhapress

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