BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O relator da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), aceitou uma proposta alternativa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para travar em R$ 23 bilhões o valor máximo de contingenciamento de despesas em 2024.
O dispositivo consta no parecer do projeto, divulgado no fim da tarde desta quinta-feira (7). Horas antes, Forte concedeu entrevista coletiva em que anunciou a rejeição da emenda do líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que tinha o mesmo objetivo, mas cuja redação “trazia uma fragilidade do ponto de vista jurídico”, segundo o relator.
A solução encontrada pelo governo e contemplada por Forte insere uma ressalva às despesas que podem ser alvo de limitação durante a execução. A estratégia é se amparar em um comando da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) que autoriza a LDO a excluir determinados gastos do alcance do contingenciamento.
No parágrafo 18 do artigo 71, recheado de referências aos limites e às fórmulas de correção do novo arcabouço fiscal, o texto do relator diz que “não serão objeto de limitação orçamentária e financeira” os gastos necessários para assegurar a execução de despesas em montante equivalente ao limite corrigido pela inflação mais o piso da variação real prevista na nova regra.
Na prática, o dispositivo blinda despesas cuja execução seja necessária para garantir a expansão dos gastos em 0,6% acima da inflação como é o desejo do ministro Fernando Haddad (Fazenda). A tese do Ministério da Fazenda foi essencial para o ministro convencer Lula a manter a meta fiscal de déficit zero em 2024.
Técnicos do governo ouvidos sob reserva pela Folha afirmam que o dispositivo aceito pelo relator da LDO tem o mesmo efeito da emenda Randolfe, embora sua redação seja considerada mais sólida e confortável do ponto de vista jurídico.
A emenda do líder do governo dizia, com outras palavras, que o montante máximo do contingenciamento deveria assegurar o crescimento da despesa primária em 0,6% acima da inflação, numa redação que, segundo os próprios técnicos do Executivo, confundia conceitos básicos de Orçamento e poderia gerar insegurança.
Além disso, a emenda configurava uma tentativa de regulamentar o novo arcabouço fiscal, aprovado por lei complementar, por meio de uma lei hierarquicamente inferior, o que seria vedado. O relator da LDO disse que não aceitaria manobras que pudessem ser vistas como “contabilidade criativa”.
Esses técnicos afirmam ainda que a ressalva ao bloqueio não afasta as sanções em caso de descumprimento da meta fiscal em 2024, que incluem o acionamento de gatilhos de contenção de gastos em 2025 e um ritmo menor de crescimento do limite de despesas em 2026. Inclusive, limitar o contingenciamento aumenta as chances de estouro da meta, pois assegura um gasto maior independentemente do tamanho da frustração de arrecadação.
Outro grupo de técnicos avalia que os questionamentos devem permanecer, mesmo que o novo artigo seja aprovado pelos parlamentares.
Há dúvidas sobre a possibilidade de usar os instrumentos da LRF para blindar quase um Orçamento inteiro. A avaliação dessa ala é que a autorização da lei para ressalvar despesas do contingenciamento existe para proteger algumas ações em detrimento de outras, sem alterar o montante total a ser bloqueado.
O texto da LDO com o novo dispositivo deve ser votado na próxima terça-feira (12).
Caso a nova redação seja aprovada, o governo terá o desafio de consolidar um entendimento único sobre como interpretá-la, o que pode opor diferentes alas do Executivo. O líder do governo no Congresso disse acreditar ser “inevitável” uma consulta ao TCU (Tribunal de Contas da União) sobre como aplicar o texto.
Técnicos responsáveis pelos relatórios fiscais e orçamentários colocam seus próprios CPFs nesses documentos e podem ser responsabilizados por atos em desacordo com as regras. Por isso, se permanecer a insegurança jurídica, pode haver fortes resistências à execução de um bloqueio menor em caso de frustração de grande volume de receitas.
Alguns observadores da discussão avaliam inclusive que tal insegurança pode inclusive antecipar a discussão sobre mudança na meta fiscal de 2024 para os primeiros meses do ano.
Antes da divulgação do parecer na íntegra, Randolfe disse que o “espírito” da tese da Fazenda havia sido “preservado” pelo relator. “Não interpreto que a emenda foi rejeitada. Ela foi recebida de outra forma”, afirmou.
Na visão de Randolfe, ao remeter as regras de contingenciamento para a LRF e o novo arcabouço fiscal, o relator da LDO deixa a porta aberta para a interpretação que consta em pareceres jurídicos da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e da AGU (Advocacia-Geral da União). “A regra está contemplada no arcabouço fiscal”, afirmou.
Mais cedo, Forte disse que a decisão de efetuar ou não o bloqueio em caso de frustração de receitas caberá ao Executivo. “Ele [Executivo] vai ter que arbitrar o contingenciamento e a mudança ou não da meta”, afirmou.
A Fazenda faz uma interpretação jurídica de duas regras do novo arcabouço fiscal: a que trava o contingenciamento em até 25% das despesas discricionárias (que incluem custeio e investimentos e podem ser alvo de bloqueio) e a que disciplina a expansão real do limite de despesas, com variação entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação.
Enquanto a primeira regra poderia sugerir uma trava superior R$ 50 bilhões, a leitura da Fazenda para a segunda regra limitaria o risco a menos da metade do valor inicial. Segundo Haddad, em qualquer situação, a necessidade de contingenciar recursos não pode se sobrepor à garantia de expansão mínima de 0,6% acima da inflação.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, porém, essa tese enfrenta resistências dentro do próprio governo e do Congresso. Parecer da consultoria de Orçamento da Câmara apontou que o bloqueio máximo sob as regras do novo arcabouço e da LRF pode ir a R$ 56,5 bilhões.
Uma trava desse tamanho pode ser um complicador para Haddad e reforçar a pressão por uma mudança na meta fiscal de 2024. Com um objetivo mais frouxo, a necessidade de conter despesas para compensar a arrecadação frustrada seria menor.
O próprio presidente Lula já disse publicamente que não pretende travar os investimentos públicos no Orçamento de 2024 tipo de despesa que costuma ser o alvo preferencial de bloqueios, dado que as demais rubricas são obrigatórias ou protegidas por regras legais.
Em seu parecer, Forte também estabeleceu um cronograma para a execução de emendas parlamentares, que devem alcançar R$ 37,65 bilhões no Orçamento de 2024. Pelo calendário, todas as emendas da saúde terão de ser empenhadas ainda no 1º semestre do ano.
O empenho é a primeira fase do gasto, quando o governo assume o compromisso de contratar um bem ou serviço para pagamento posterior.
O relator também autorizou a destinação de emendas para obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), caso seja o desejo do parlamentar.
Forte ainda introduziu um dispositivo para reforçar um princípio já existente na LRF de que eventuais contingenciamentos incidirão de forma proporcional entre os recursos do Poder Executivo e do Poder Legislativo. Havia o temor de que, ao bloquear investimentos, o governo concentrasse os cortes temporários sobre as emendas dos congressistas.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress