SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A estilista Martha Medeiros, 61, já se preparava para contar sua história quando foi entrevistada pela jornalista da Folha Eliane Trindade, em 2019. Ela decidiu, de pronto, que seria Trindade a pessoa a redigir sua biografia.
Nascida em Maceió e crescida “numa classe média boa” da cidade, segundo ela mesma, Medeiros é conhecida por transformar a renda do sertão brasileiro em produto de luxo, desejado por celebridades como Ivete Sangalo, Claudia Leite, Sofia Vergara, para quem a designer fez um vestido de casamento, e até o papa Francisco, que usou um enxoval assinado pela designer quando veio ao Brasil.
Segundo Trindade, Medeiros soube usar a mídia a seu favor numa era pré-Instagram. “Ela usou o jornalismo de celebridades para criar um objeto de desejo”, diz a jornalista. “Ela não queria sair na Vogue, queria sair na Caras.”
Mas Medeiros é uma mulher dos bastidores. “Nos eventos de moda é um glamour, um glamour, um glamour. Quem lê meu livro vê que a moda é 99% de trabalho e 1% de glamour. O glamour não é meu mundo, é uma pessoa jurídica que desempenha um papel em que isso é preciso”, diz Medeiros. “É um business. Tem que fechar a conta e pagar mais de 500 mulheres no sertão.”
A rede de rendeiras organizada por Medeiros é um dos aspectos notáveis de seu empreendimento, além do resultado final que vai aos tapetes vermelhos. Trindade, que viajou ao interior do Nordeste durante as pesquisas para o livro, conta que até a chegada da estilista, aquela renda era um produto desvalorizado.
“Fiquei surpresa com a forma como ela conseguiu gerar a rede de rendeiras. Era uma coisa dispersa, a cadeia de valor era inexistente, foi ela que criou. Quando ela chegou ali, a renda era relegada a uma coisa de feira, artesanal no mau sentido, barata.”
Medeiros conta que seu trabalho organizando as cooperativas de rendeiras continua. Uma comunidade de bordadeiras de Passira (PE) com a qual ela trabalhava havia anos a contatou dizendo que encerraria os trabalhos por falta de demanda. “O golpe fatal foi uma encomenda de Fortaleza de 150 vestidinhos de bebê bordados que foram cortados no tamanho errado e não serviriam em nenhuma criança”, diz a estilista.
Ela saiu de Maceió e foi até a cooperativa para tentar resgatar o negócio. Comprou todo o estoque e, de volta ao seu ateliê, recortou os vestidinhos, costurando apenas as partes bordadas em um patchwork que gerou um novo tecido, que será um vestido para Claudia Leitte.
Mas a intervenção não acabou aí. “A gente precisa localizar o problema. O problema é que a linha boa chegava cara lá por causa de transporte, imposto. E elas demoravam seis meses para pagar”, diz Medeiros. Ela reparou que a linha e o algodão usado pelas bordadeiras não eram mais topo de linha e foi atrás de melhorar a matéria-prima, com tecidos naturais. “Agora fazemos cerca de dez peças por mês, mas vendemos para a primeira pessoa para quem mostramos”, diz a estilista.
“Ela tem esses dois mundos muito loucos. O da nordestina desaforada e o do refinamento”, diz Trindade.
DO SERÃO A HOLLYWOOD
Preço: 59 (224 págs.)
Autoria: Eliane Trindade
Editora: Matrix Editora
BÁRBARA BLUM / Folhapress