Baz Luhrmann opina se filmes longos deveriam virar minissérie e experimenta com ‘Austrália’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entre os fãs de cinema, uma polêmica tomou conta das redes sociais há algumas semanas. Foi depois que a youtuber Carol Moreira sugeriu que “Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese, deveria ter sido uma minissérie, e não um filme com 3h26 de duração. Para alguns, essa teria sido uma experiência mais agradável que ficar tanto tempo numa sala de cinema sem ir ao banheiro; para outros, ela estava minimizando as diferenças entre duas formas muito diferentes de contar uma história.

Sem saber, Baz Luhrmann tinha muito a dizer sobre essa treta. O diretor de “Moulin Rouge” (2001), “O Grande Gatsby” (2013) e “Elvis” (2022), entre outros, recentemente resolveu reempacotar o filme “Austrália”, estrelado por Nicole Kidman e Hugh Jackman e lançado em 2008, em formato de minissérie, rebatizada como “Bem-Vindos à Austrália” e disponível no serviço de streaming Star+.

“Eu não estava sabendo desse debate”, diz o cineasta australiano, que mesmo assim não se furtou de opinar. “Achei ‘Assassinos da Lua das Flores’ um suntuosíssimo banquete em forma de filme. Mas, se pensar bem, quando se consome um banquete em casa, você pode controlar quando come cada prato: se quer se fartar em uma única noite ou se prefere espaçar um prato a cada final de semana. Estamos falando de uma nova relação das pessoas com as formas narrativas.”

Luhrmann diz que enxerga o caso de “Bem-Vindos à Austrália” –que foi dividida em seis episódios e ganhou cerca de 40 minutos de cenas inéditas que não haviam entrado no corte original de 2h45 de duração– como uma “experiência”. “Existe uma relação entre fazer um filme para o cinema, que é a minha paixão, e uma forma episódica de contar uma história com o mesmo material?”, questiona. É isso que ele tenta responder com a nova obra.

O australiano conta que essa curiosidade surgiu por acaso, quando, no meio da pandemia, voltou a assistir ao filme porque não tinha nada melhor para fazer –isso em 2020, quando Tom Hanks pegou Covid e sua equipe precisou paralisar as gravações de “Elvis” por algumas semanas. Ele percebeu que algumas das histórias se fechavam em si mesmas, como se fossem episódios mesmo.

“[O filme] lida com material para dois, três longas distintos, e não houve roteirista capaz de dar jeito na sensação de que a história acaba ao menos duas vezes para logo recomeçar”, observou o crítico da Folha Sérgio Rizzo na época do lançamento. Algo com que Luhrmann parece concordar agora.

“Meu Deus, sim! Esse é o meu eterno paradoxo”, afirma. “Sempre tive, no fundo, a ideia de que talvez devessem ser dois filmes, porque sabia que havia um tempero épico na trama. Comecei a amadurecer a ideia e senti que realmente poderia pegar esse grande melodrama e me debruçar mais na história da personagem de Nicole e em como ela vai aprendendo que não temos controle sobre nada.”

A personagem de Nicole, no caso, é a lady Sarah Ashley, uma aristocrática britânica que vai à Austrália para saber por que o marido está demorando tanto a voltar para casa e, ao chegar, descobre que ele morreu e que ela herdou uma enorme propriedade de criação de gado no país. Enquanto fatos importantes do país vão se desenrolando como pano de fundo, ela se apaixona pelo rústico “Drover” (Jackman) e se apega ao pequeno Nullah (Brandon Walters), uma esperta criança de origem aborígene por quem se encanta de cara.

Cerca de 15 anos depois de seu lançamento original, a forma algo mítica como os povos originários são abordados e a própria relação entre Sarah e Nullah são alvo de muito mais escrutínio, mas Luhrmann defende sua criação. Para ele, lady Sarah jamais se coloca como “salvadora branca”, como alguns acusam, e essas falas costumam vir de pessoas que sequer saberiam apontar no mapa a região onde o filme se passa.

“Acho muito difícil fazer críticas à distância, seria mais proveitoso falar com representantes dos povos indígenas australianos sobre o que eles acham”, provoca. “Recentemente, voltamos às comunidades em que filmamos. Eles aplaudiram a forma como a terra deles é mostrada, e a terra é algo muito espiritual para eles.”

Para o diretor, se alguém salva alguém no filme é Nullah, que tira Sarah de um destino muito menos livre de convenções do que teria se jamais tivesse saído da Inglaterra. “Um dos pontos centrais da história é justamente que Sarah precisa entender que as relações são construídas de forma diferente para aquelas pessoas, e que não cabe a ela tentar mudá-las”, explica.

Na trama, Nullah faz parte da Geração Roubada, grupo de descendentes de aborígenes que foram retirados de suas famílias pelo governo entre os anos 1905 e 1967 com o objetivo de “ressocializá-las”. Levar essa história para um público mais amplo foi uma das maiores motivações do diretor para realizar o longa, segundo ele.

Luhrmann conta que ainda mantém contato com Brandon Flowers, que na época das filmagens tinha 11 anos e hoje tem 27. Ele não seguiu carreira de ator, embora tenha tentado retomá-la em 2020, sem muita repercussão internacional. “Falei com ele há poucos meses e ele continua sendo o nosso pequeno Brandon, só que agora em tamanho maior”, brinca.

Já Nicole Kidman e Hugh Jackman, que na época eram nomes em ascensão, viraram duas potências de Hollywood. Ambos gravaram alguns áudios para complementar parte das novas cenas. No entanto, a principal diferença com relação ao que foi exibido nos cinemas é o final, que mudou completamente. O diretor optou por uma sequência alternativa (e bem menos romântica), que havia sido filmada e depois descartada.

Mais do que em mexer na estrutura dramatúrgica, Luhrmann parece interessado em reabilitar a obra da fama de fracasso comercial. Ele lembra que, apesar de não ter sido um fenômeno nos Estados Unidos, “Austrália” até hoje é uma de suas maiores bilheterias no resto do mundo (e até hoje a segunda maior arrecadação de um filme australiano no próprio país, atrás apenas de “Crocodilo Dundee”).

E, se der certo, será que mais minisséries de seus filmes virão por aí? Não necessariamente, já que ele acha que nem todo longa se presta a isso. Talvez “Elvis”. É que ele próprio avalia que “Austrália” é provavelmente o filme mais diferente do resto de sua filmografia. E ele não sabe se voltará a fazer mais filmes como esse.

“Eu sei que tenho uma linguagem e que existe um certo estilo pelo qual sou conhecido”, comenta. “Não estou me comparando, mas sabe quando o Picasso teve a fase azul? Talvez eu tenha outros períodos em que queira contar coisas diferentes. Sei que o público às vezes se comporta como a plateia de um show de música, pedindo bis. Mas, no final das contas, todo mundo cresce e muda.”

VITOR MORENO / Folhapress

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