O discurso de posse do novo presidente da Argentina foi marcado pela promessa de um choque inflacionário.
Neste domingo (10), Javier Milei afirmou que uma política de cortes graduais de gastos não é suficiente para resolver os problemas do país, que, se persistirem, podem levar a uma inflação inédita de 15.000% ao ano.
Entenda os principais pontos econômicos do discurso do presidente ultraliberal
*Inflação de 15.000%?*
Segundo economistas, a fala é exagerada, mas não inteiramente equivocada. No momento, a alta de preços na Argentina nos últimos 12 meses é de 142,7%.
Na história do país, a inflação anual máxima foi de 3.100% em 1989, durante o governo de Raúl Alfonsín. Neste período, o Banco Central argentino ficou sem dólares e a moeda do país sofreu uma forte desvalorização, o que levou à explosão dos preços.
Há anos o país já sofria com uma inflação de três dígitos, que teve início após uma política de desvalorização cambial e de aumento nas taxas de serviços públicos no governo de Isabel Perón, após a morte de seu marido, Juan Perón, com o ministro Celestino Rodrigo, em 1975.
Em 1976, a inflação foi de 444% ao ano. Esse período ficou conhecido como “Rodrigazo”.
Segundo Milei, a Argentina tem hoje o dobro do excedente de dinheiro em circulação que antes do Rodrigazo, que, à época, multiplicou por seis a taxa de inflação.
Supondo que o mesmo cenário possa voltar a ocorrer, Milei calcula que a inflação poderia chegar a 15.000% ao ano.
“Um evento semelhante significa multiplicar [os preços] por doze [duas vezes seis]. Dado que a inflação vem se desenhando a um ritmo de 300% [estimativa de parte do mercado para 2024], poderíamos passar a uma taxa anual de inflação de 3.600%. Em pouco tempo se poderia quadruplicar a quantidade de dinheiro [em circulação] e isso poderia levar a uma inflação anual de 15.000%”, disse Milei.
“Inflação de 15.000% é um pouco exagerado, mas há, sim, um risco de forte hiperinflação”, afirma Ricardo Amarilla, economista-chefe da Economatica na Argentina.
O economista argentino Roberto Luis Troster concorda. “Se o governo não fizer nada, a inflação pode sim chegar a este patamar”, diz.
*O que é estagflação*
Estagflação é um período de inflação e estagnação, ou recessão econômica. Nele, os preços continuam subindo apesar da queda do poder de compra da população, com o aumento do desemprego.
Segundo Milei, é isso que a Argentina tem vivido nos últimos anos e deve viver no início de seu governo.
“Não há alternativa ao choque [inflacionário]. Naturalmente isso impactará de modo negativo a atividade [econômica], o emprego, os salários reais, o número de pobres e indigentes. Haverá estagflação, é verdade, mas não é algo tão diferente dos últimos 12 anos, o PIB per capita caiu 12%, num contexto em que se acumulou 5.000% de inflação. Portanto, vivemos em estagflação há mais de uma década”, disse o presidente.
*A necessidade de ajuste fiscal*
Para frear a inflação, Milei pretende fazer um ajuste fiscal e monetário e um consequente choque inflacionário inicial.
O presidente prometeu demitir os servidores públicos não concursados, cortar subsídios nas tarifas de serviços públicos, como energia, e cancelar obras e congelar projetos.
“Ele vai deixar o dinheiro em excesso morrer com a inflação. Um caminho para isso é baixar juros”, diz Troster.
Para estimular os investimentos e o setor privado, a taxa básica de juros não deve mais aumentar conforme a inflação cresce.
A intenção com o choque inflacionário e o corte de custos é que a equação demanda e oferta se estabilize, de modo a cessar o aumento de preços.
Além disso, com menos gastos estatais, Milei pretende ajustar as contas públicas do país, que hoje têm um déficit primário de cerca de 4% do seu PIB (Produto Interno Bruto). “Não existe solução na qual se evite atacar o déficit fiscal”, disse Milei.
*Pobreza*
Segundo dados do Indec (espécia de IBGE argentino), 40,1% da população da Argentina se encontrava na linha da pobreza, ou seja, não tinha dinheiro para arcar com itens básicos de bens, serviços e alimentação, no primeiro semestre deste ano.
No período, 9,3% estavam em situação de indigência –quando a renda é insuficiente para satisfazer as necessidades básicas de alimentação, dado o custo da cesta básica.
Esses são os piores índices desde o primeiro semestre de 2021, quando 40,6% estavam na linha de pobreza e 10,7% na de indigência.
JÚLIA MOURA / Folhapress