Diretor de ‘Trapalhões’, Roberto Farias tem obra revista em documentário

FOLHAPRESS – Em “Roberto Farias – Memórias de um Cineasta”, Marise Farias insiste tanto em colocar em relevo as virtudes tanto profissionais como pessoais de Roberto Farias, seu pai, que até parece falar de um cineasta injustiçado pela história.

E o pior é que em parte ela tem razão: talvez a obra de Farias tenha ficado um tanto à sombra do presidente da Embrafilme que ele foi. O cargo engendra discussões intermináveis, seja entre cineastas, seja com a imprensa, pois havia várias visões de cinema naqueles anos 1970 do século passado, e a de Farias buscava conciliar alguns grupos distintos, obliterar outros tantos, essas coisas se administração.

No entanto, um dos méritos deste documentário é justamente mostrar que as duas coisas, o cineasta e o presidente, eram afinal uma coisa só. Ou seja, a visão de Farias na Embrafilme consistia em aproximar o cinema brasileiro “de qualidade” de algo parecido com uma indústria. Podemos discutir esse “de qualidade” até o final dos tempos (que aparentemente se aproximam…), mas é outra história.

O fato é que a obra de Roberto ficou não esquecida, mas razoavelmente oculta. E sua trajetória é exemplar, pois fez seu aprendizado com os mestres da Atlântida, antes de estrear em 1957 com uma bela chanchada, “Rico Ri à Toa”. Seguiram-se “Cidade Ameaçada”, “Assalto ao Trem Pagador”, “Selva Trágica”. “As Aventuras de Tio Maneco” —bons, por vezes ótimos filmes e quase sempre de sucesso.

É o golpe de 1964, que leva Farias a abandonar seu projeto de fazer um cinema que aliava a busca de um público amplo e a preocupação com questões sociais. Veio então o tempo de comédias como “Toda Donzela Tem um Pai que É uma Fera”, de 1966 (aliás, belo episódio contado por Roberto é de como conseguiu, em plena ditadura, que o Exército lhe emprestasse um tanque de guerra e um monte de soldados) e a série “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura” (1968), “Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa” (1968) e “Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora” (1971).

É impossível abstrair as datas: são os anos que vão do AI-5 à tortura praticamente assumida como política de Estado. Mas não era menos verdade que o Brasil, que se reconhecia nas canções de Roberto, foi ao cinema desopilar com os filmes do outro Roberto, o Farias. Na verdade, o primeiro da série é muito bom, um pouco na linha do que Richard Lester havia feito com os Beatles em “Os Reis do Ié-Ié-Ié” (1964). “O Fabuloso Fittipaldi”, codirigido por Hector Babenco, encerra em 1973 esse ciclo.

O retorno, em 1982, é discutível até hoje, na medida em que aproxima o desejo de tocar num assunto que o incomodava (a ditadura e a tortura) e o de tornar a TV uma parceira, e não mais inimiga, do cinema brasileiro.

O elenco vinha, em boa parte, da Rede Globo, e uma das marcas do filme são as interpretações bem desiguais. Era a época da “abertura”, e Farias sentiu-se forte para abordar o delicado assunto. Quase o filme morre na censura. E o diretor-geral da Embrafilme na época, Celso Amorim, foi obrigado a renunciar. Ele mesmo, que depois foi ministro de Relações Exteriores de 2003 até 2010. Gerir cinema no Brasil parece mais complicado que ser ministro (o que talvez prove a importância do cinema).

Daí por diante, Farias parece assumir a TV como um destino do cinema: sua absorção pelo conceito de audiovisual. E para a TV que ele mais trabalha, com raras exceções, como a boa comédia, “O Trapalhões no Auto da Compadecida”, de 1987. Seja como for, a retrospectiva que faz o documentário é uma justa recolocação da obra de Farias como cineasta e mesmo como gestor.

Resta Roberto Farias, o homem, visto aqui a partir do olhar de alguns amigos, de eventuais colegas e, sobretudo, de Marise, autoria deste documentário e filha. Filhos, como sabemos, amam ou odeiam os seus pais. Marise, a julgar por este documentário, é do tipo que ama e admira.

Até certo ponto é justificável, mas daí por diante isso começa a se tornar um incômodo para o espectador. Farias vai se tornando quase um exemplo não só para cineastas como para qualquer pessoa. Não que devesse a documentarista acrescentar-lhe defeitos, mas moderar um pouco a admiração, torná-la mais sóbria, ajudaria ao filme. Esse caminho da virtude acaba por aplainar a personalidade de Roberto, que se pode imaginar com certeza mais conflituada e complexa do que pode sugerir este filme.

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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