COP28 se aproxima de texto final sem citar abandono de combustíveis fósseis

DUBAI, EMIRADOS ÁRABES UNIDOS (FOLHAPRESS) – A presidência da COP28, cúpula do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), apresentou nesta segunda-feira (11) um rascunho do principal documento que deve ser adotado até o final da conferência, prevista para ser concluída na terça-feira (12).

O abandono dos combustíveis fósseis -item mais desafiador das negociações- deixou de aparecer na última versão do texto. Agora, o texto trata apenas da redução no uso destas fontes de energia.

“Reduzir ambos consumo e produção de combustíveis fósseis, de uma forma justa, ordenada e equitativa, para alcançar emissões líquidas zero por volta de 2050, mantendo-se com a ciência”, diz a quinta opção de ação no texto.

Como a Folha de S.Paulo adiantou, as negociações no fim de semana retrocederam em comparação com o último rascunho do nível técnico das negociações, publicado na sexta (9). Segundo diplomatas, as diversas opções sobre o abandono gradual dos combustíveis fósseis refletiam apenas as posições dos países a favor da medida.

Nações com reservas à proposta, como Arábia Saudita, Estados Unidos e Índia, só começaram a se posicionar em consultas informais ao longo do final de semana.

O rascunho desta segunda convoca os países a agir para a redução das emissões de gases-estufa e apresenta oito itens de ações ligadas à transição energética.

No entanto, o enunciado se vale do termo “ações que podem incluir, entre outras [as seguintes ações]” antes de apresentar as diversas estratégias de transição energética. Com essa linguagem, as ações são listadas apenas como sugestões a serem escolhidas pelos países.

Entre elas, estão acelerar a adoção de tecnologias de baixo carbono e reduzir o uso de carvão com emissões não compensadas, assim como zerar as emissões do setor de energia, utilizando combustíveis de baixo ou zero carbono por volta do meio do século.

Até mesmo as metas de triplicar energias renováveis e dobrar a eficiência energética -que pareciam firmes nos rascunhos, após 123 países terem assinado um compromisso voluntário com as medidas- foram enfraquecidas.

Além de aparecerem apenas entre estas ações sugeridas, não há mais uma quantificação da meta. Os rascunhos anteriores apontavam o objetivo de chegar a 11 mil GW de renováveis em 2030, aumentando a eficiência energética entre 2% e 4% ao ano no mesmo período.

O rascunho cita também a redução das emissões de metano nesta década -a proposta, emplacada pelos americanos, preocupa a diplomacia brasileira por conta das emissões do gás na agropecuária. Outro item menciona a redução de emissões no setor de transportes, sem detalhar prazos ou metas.

Por fim, o texto trata da eliminação de “subsídios ineficientes para combustíveis fósseis”, descritos como aqueles que incentivam o desperdício no consumo e que não levam em consideração a pobreza energética ou a transição justa -ou seja, aqueles que não estão ligados a medidas de combate à desigualdade social.

“A métrica de sucesso desta COP vai depender da linguagem em combustíveis fósseis”, afirmou Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e da Mudança Climática, em coletiva de imprensa simultânea à divulgação do rascunho.

Ainda sem avaliar o texto, a ministra defendeu que, “uma vez que for incluído o desafio dos combustíveis fósseis no texto, é preciso pensar um grupo de trabalho para ir criando o caminho para esse processo de acelerar renováveis e desacelerar fósseis”. O Brasil poderá conduzir a continuação desse trabalho ao assumir a presidência da COP30, em 2025.

REPERCUSSÕES

Em meio a uma COP sediada por um país petroleiro e marcada por protestos pelo fim dos fósseis, especialistas se mostraram desapontados com o caminho que vem sendo traçado para o acordo final da conferência.

“Cada país poderá argumentar que seus subsídios estão ou não em conformidade com isso. Ou seja, a possibilidade de enquadramento dos subsídios como redução de pobreza, sem critérios claros, não permite separar o joio do trigo”, avalia a brasileira Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa.

Para as Ilhas Marshall, uma das nações mais ameaçadas pelo aumento do nível do mar devido ao aquecimento global, o texto é inaceitável.

“Nós não viemos aqui para assinar nossa garantia de morte. Viemos aqui para lutar pelo [limite de] 1,5ºC e só há uma forma de alcançar esse objetivo: com a eliminação dos combustíveis fósseis”, afirmou o ministro de Recursos Naturais do país, John Silk.

Maria Mendiluce, presidente da We Mean Business, uma coalizão de empresas que apoiam a agenda climática, classificou o último rascunho como “extremamente preocupante” e uma “lista de desejos de ações opcionais, sem significado”.

“Sair de um rascunho com quatro opções sobre a eliminação de fósseis para um novo rascunho com zero opções também me faz questionar o processo e a quem eles estão ouvindo. O mundo merece transparência sobre como as decisões são tomadas”, opinou.

BALANÇO GLOBAL

Para além dos combustíveis fósseis, o documento, que resume as medidas a serem tomadas a partir do primeiro balanço global do Acordo de Paris, traz outros diagnósticos e recomendações para basear a revisão das metas climáticas dos países (as chamadas NDCs, sigla em inglês para contribuições nacionalmente determinadas).

A revisão deve acontecer até 2025, em um processo a ser conduzido pelo Brasil, que presidirá naquele ano a COP30, em Belém (PA).

Como queria o Brasil, o rascunho publicado nesta segunda incentiva as nações a alinharem suas novas metas climáticas ao objetivo de conter o aquecimento global em até 1,5ºC -o que o país tem chamado de “missão 1,5”.

O mesmo trecho também sugere que as metas sejam válidas para toda a economia e não só para alguns setores, a exemplo da NDC atual brasileira.

As NDCs que não abrangem toda a economia do país ou que medem suas reduções de emissões de forma relativa ao crescimento econômico estão entre os truques que países usaram para economizar esforços na redução de emissões ao assinarem o Acordo de Paris, em 2015. Evitar as pegadinhas, especialmente de grandes emissores, está entre os desafios brasileiros na presidência da COP30.

Outro parágrafo do texto que agrada uma posição recente da diplomacia brasileira é o que enfatiza a importância de ações como o combate ao desmatamento até 2030, além da restauração florestal e do alinhamento das ações climáticas com as de proteção da biodiversidade. Estas medidas, diz o documento, devem ser norteadas pelo novo marco global de biodiversidade, aprovado em Montreal no final do ano passado.

O Brasil está entre os países que apoiam a conexão entre as duas agendas -algo que era combatido pelos negociadores brasileiros em governos anteriores.

ANA CAROLINA AMARAL / Folhapress

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