BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Paulo Gonet, indicado pelo presidente Lula (PT) para a PGR (Procuradoria-Geral da República), tem trajetória jurídica e acadêmica reconhecida em temas constitucionais e direitos fundamentais, mas que oferece poucas pistas de como pretende tocar o órgão em matéria penal, caso seu nome seja confirmado pelo Senado. Ele será sabatinado nesta quarta-feira (13) pela Casa.
Compete à PGR investigar e processar criminalmente autoridades com prerrogativa de foro no STF (Supremo Tribunal Federal), incluindo o presidente da República.
Nos últimos anos, sob Augusto Aras, a PGR teve uma imagem amplamente difundida de leniência com os abusos antidemocráticos de Jair Bolsonaro (PL) e com a resposta errática do ex-presidente à pandemia da Covid-19, além de livrar políticos em investigações criminais.
Aras delegou a colegas a responsabilidade pela área criminal junto ao Supremo e, sob cobranças e críticas de omissão, chegou a alegar a independência funcional de seus designados para dizer que não poderia ser a ele imputada a falta de apurações.
O meio jurídico, incluindo colegas de Procuradoria, aponta Gonet como um garantista, corrente que rivaliza com o punitivismo e que tende a privilegiar direitos individuais e presunção de inocência nos julgamentos.
Procurado pela reportagem, Gonet afirmou que não poderia se manifestar em respeito aos senadores, que irão sabatiná-lo. Integrantes da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado pretendem questioná-lo sobre qual tratamento dispensará à matéria penal no próximo biênio.
Há discussões já em curso no âmbito do MPF (Ministério Público Federal) sobre como o provável chefe da instituição estruturará seu gabinete, incluindo casos criminais. O nome de Gonet já é considerado aprovado por governistas e opositores no Senado.
O próximo chefe do MPF assumirá o cargo com investigações em curso contra Bolsonaro e seus aliados, incluindo o suposto envolvimento do ex-mandatário como incitador da invasão e depredação das sedes dos três Poderes no 8 de janeiro.
Sob a coordenação do subprocurador Carlos Frederico Santos, cuja permanência no posto é uma dúvida, o grupo da PGR criado para investigar o 8/1 conduz também apurações contra militares suspeitos de envolvimento nos atos.
Caberá ao novo procurador-geral analisar o relatório final da CPI do 8 de janeiro, recentemente finalizada no Congresso. O colegiado propôs, entre outros, o indiciamento de Bolsonaro.
Em outra frente, existe a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. A Procuradoria pediu diligências ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, em especial naquilo que o material poderá contribuir com as apurações relacionadas aos ataques antidemocráticos.
Investigações também a cargo da PGR envolvem integrantes do alto escalão do governo Lula, como o caso do desvios de recursos de emendas parlamentares no Maranhão, que atinge o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA).
O indicado de Lula para a PGR já participou de julgamentos sobre investigações criminais no Supremo. Defendeu, em nome do MPF, a condenação do ex-prefeito Paulo Maluf pela prática do crime de falsidade ideológica para fins eleitorais.
Em 2016, Gonet assinou a denúncia contra a presidente nacional do PT e deputada federal Gleisi Hoffmann, alvo da Operação Lava Jato.
Ela e o ex-marido Paulo Bernardo foram acusados de receber R$ 1 milhão de um empresário do Paraná para a campanha da petista ao Senado em 2010. O Supremo abriu ação penal contra os dois, mas os absolveu dois anos depois.
A atuação principal de Gonet, no entanto, envolve questões constitucionais e temas ligados a direitos fundamentais.
Na pauta de costumes, colegas atribuem a ele um perfil conservador, com posicionamentos que desagradam parte da base aliada de Lula. Manifestações em processos e sua produção acadêmica reforçam esse caráter.
Em 2009, por exemplo, escreveu um artigo com críticas ao direito ao aborto. O texto foi publicado quando estava em discussão a possibilidade do uso de embriões para pesquisas científicas, decidida pelo STF no ano anterior.
O subprocurador defende a tese de que a vida humana existe desde sua concepção e diz que o Estado deve agir de maneira “firme e eficaz” contra a interrupção da gravidez.
Gonet também foi autor de parecer em que se manifestou contra um pedido do Conselho Federal de Psicologia, que buscava paralisar ação popular que propunha a “cura gay”.
A posição gerou críticas da esquerda, embora o documento assinado pelo procurador não tenha avaliado o mérito da controvérsia.
Em 2019, quando conversou com Bolsonaro em busca da indicação para a PGR, Gonet disse ser contra a criminalização da homofobia pelo STF e que o tribunal invade atribuições que são do Legislativo ao decidir sobre o tema.
Outra atitude de Gonet criticada por aliados do Palácio do Planalto foi por posições contra o reconhecimento da responsabilidade do Estado na morte de opositores do regime militar. Em parte dos processos, Gonet se alinhou a um representante das Forças Armadas na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, como mostrou a Folha.
O escolhido de Lula para comandar a Procuradoria adotou tal posição em casos como o da estilista Zuzu Angel e dos guerrilheiros Carlos Marighella e Carlos Lamarca, lembrados pela esquerda como exemplos de resistência à ditadura. Em todos os casos, porém, Gonet foi voto vencido.
Perfis de esquerda em redes sociais se uniram em uma campanha para pressionar Lula a rever a indicação, usando a hashtag #LulaGonetNão.
Em nota, no início do mês, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior afirmou que repudia a escolha de Gonet para liderar o MPF.
“Em data próxima aos 60 anos de golpe empresarial-militar, o governo Lula escolheu como novo procurador-geral uma pessoa que ficou conhecida por ser contra o reconhecimento dos crimes cometidos pelo terrorismo de Estado durante a ditadura empresarial-militar”, afirmou a entidade.
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ENTENDA INDICAÇÃO E SABATINA DE GONET
Indicação
Paulo Gonet foi indicado por Lula (PT) à PGR em 27 de novembro para ocupar a vaga de Augusto Aras, que encerrou mandato no órgão em 26 de setembro
Biografia
Nascido no Rio de Janeiro, Gonet está na Procuradoria desde 1987. É visto como alguém aberto ao diálogo e com proximidade de Gilmar Mendes, do STF
Sabatina e votação
Gonet passará por sabatina e precisa ser aprovado pela CCJ e pelo plenário do Senado, com maioria absoluta são necessários 14 dos 27 senadores da comissão e 41 de 81 no plenário
MARCELO ROCHA E CONSTANÇA REZENDE / Folhapress