SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Estampados nas capas, bibliotecas, livrarias, cafés e mercearias anunciam o que os livros da onda batizada de “healing literature” vão dar aos leitores: ambientes de atmosfera acolhedora. São, segundo Tomás Pereira, sócio da editora Sextante, livros curtos que narram encontros de pessoas vivendo pequenos dramas.
“Tem ali uma figura sábia, alguns têm realismo mágico, viagem no tempo, animais que falam, muitos têm gatos como personagem”, diz.
Em “A Biblioteca Mágica”, da japonesa Michiko Aoyama, uma bibliotecária recomenda exatamente o livro que cada pessoa precisa naquele momento. Em “A Biblioteca da Meia-Noite”, de Matt Haig, publicado pela Record, uma mulher arrependida se pergunta como a vida seria se tivessem feito algo de diferente. Em “Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong”, da estreante Hwang Bo-Reum pela Intrínseca, outsiders se encontram em uma pequena livraria e estreitam vínculos em meio aos livros cuidadosamente curados.
Segundo Renata Pettengill, editora de ficção estrangeira da Record e da Bertrand Brasil, os livros que entram sob o guarda-chuva de healing fiction “têm um efeito terapêutico, valem como uma sessão de psicanálise”. “Você se projeta na Nora Seed [personagem de A Biblioteca da Meia-Noite], projeta suas questões nela e, no final, absorve a experiência dela.”
Ela diz que a sensação ao ler tais livros é de alívio de questões existenciais e mundanas, se os leitores entram na vibração da narrativa. “No final, você fica mais leve.” Pereira vai na mesma direção. “Tem uma intenção clara de promover esses aconselhamentos, de trazer essa coisa reconfortante.”
“Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong” é um bom exemplo desse processo. Desiludida com a vida, Yeongju abre uma livraria, seu sonho, mas logo é confrontada com uma série de dificuldades quem diria que vender livros não é exatamente lucrativo, mas se vê reconfortada por seus clientes assíduos, que encontram naquele espaço o mesmo acolhimento da mesma forma que ela encontrou.
As pequenas histórias de quem vive na livraria se entrelaçam com as indicações de leitura dadas pela livreira ”O Apanhador no Campo de Centeio, de J.D. Salinger, é marcante e é um formato que se repete em outros livros de healing fiction, muito centrados no poder da leitura.
A editora da Record ressalta a enorme capacidade de envolvimento emocional que esse tipo de livro é capaz de gerar, sensação comprovada por números. “A Biblioteca da Meia-Noite”, lançado em 2020, é um dos best-sellers da Amazon. “Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong” vendeu 250 mil exemplares só na Coreia do Sul. Outro sul-coreano, “A Inconveniente Loja de Conveniência”, de Kim Ho-yeon, foi o livro mais vendido no país em 2022, com mais de 1 milhão de cópias.
Segundo Pereira, o que explica esse fenômeno são os tempos ansiosos que vivemos. “A gente vive em tempos muito ansiosos, de turbilhão de informação, estímulos, comparações. Esses livros têm uma delicadeza, têm capacidade de oferecer conselhos, de mostrar novas maneiras de ver a vida de forma mais simples, colocando as pessoas mais em contato consigo mesmas. Isso promove uma quietude, um alívio em um mundo que está muito estimulado.”
“Você tem certeza que é healing quando vê comentários nas redes de pessoas falando que o livro as ajudou”, afirma Pettengill. Ela diz que a primeira vez que notou demanda por esse tipo de literatura foi ainda em 2016, com o lançamento do livro “A Livraria Mágica de Paris”, de Nina George. Nele, um livreiro cravava recomendações perfeitas só de bater o olho na clientela.
Ele diz que o segredo do sucesso da healing fiction está na capacidade de transportar o leitor para ambientes tranquilos e intimistas, de conexão humana, onde as pessoas são percebidas.
Outro aspecto da fórmula de sucesso é a facilidade da leitura. Pereira diz que o gênero não recai na chamada ficção literária, termo do mercado editorial para designar as grandes obras da literatura, com tratamento minucioso da linguagem. Está mais próximo, diz ele, da ficção direcionada ao entretenimento, capaz de alcançar muitas pessoas e, assim, tocá-las.
BÁRBARA BLUM / Folhapress