Beethoven é festejado com evento que repete concerto monumental de 4 horas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Da noite de 22 de dezembro de 1808 pouco se sabe, além do frio que tomou conta do Theater an der Wien, na capital austríaca. Ali, Ludwig van Beethoven fez o concerto mais importante da história da música, empurrando a data para a eternidade.

De certo modo, refazer aquele acontecimento não é buscar um tempo que se perdeu, mas voltar aonde a humanidade nunca deixou de estar: nas partituras de Beethoven, suas sagradas escrituras.

Delas surgiram, na forma de um concerto monumental, a “Sinfonia nº 6”, a “Pastoral”, o “Concerto para Piano nº 4” e, finalmente, a “Sinfonia nº 5”, aquela do “tam-tam-tam-taaam”. As quatro horas de música são reproduzidas agora, na ordem em que as obras estrearam, no encerramento da temporada da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp.

A epopeia será tanto vivida em dois tempos, em programas na quinta-feira e na sexta-feira, como de uma vez só, no sábado, ao modo como ocorreu 215 anos atrás. Os ingressos para o concerto estão esgotados desde fevereiro. A importância das sete obras apresentadas não se encerra no belo musical, mas na alteração da condição humana no século 19.

Naquele momento, Beethoven se afirma como gênio criador, o que só ocorre pelo surgimento da noção de indivíduo, uma consequência da Revolução Francesa. No tremor das dinastias, o romantismo alvorece, e a arte se volta à subjetividade humana. E tudo o que é demasiadamente humano aspira ao universal.

Beethoven, nome onipresente, confirma não existir passado na história da música. Em suas composições, o gênio de Bonn fala da alegria e da tristeza, da vida e da morte. Sua arte é a extensão de seu sentimento, que, uma vez interpretada, passa a ser um apelo ao agora. Em última instância, Beethoven se liberta das convenções do classicismo e alicerça a música na expressão artística, portanto do autor.

Dito tudo isso, examinemos a “Sinfonia nº 6”, que ganhou o nome de “Pastoral” por tematizar a relação do homem com a natureza. Beethoven adorava passear pelos bosques, no interior da Áustria. Adotando um comportamento romântico, ele chegou a escrever, numa carta, de 1810, que a natureza era como um eco desejado.

“Beethoven não descreveu a natureza, ele descreveu o seu sentimento estando na natureza, o que é totalmente diferente”, diz o maestro suíço Thierry Fischer, em seu camarim, depois de um ensaio. Entrando num debate que se estende por décadas, o diretor musical da Osesp refuta a ideia de que a “Pastoral” se encaixaria no conceito de música programática, isto é, composições que têm o objetivo de representar ideias.

Decerto, Beethoven atribui títulos para os cinco movimentos – “O Despertar dos Sentimentos Alegres com a Chegada do Campo”, “Cena à Beira do Riacho”, “A Alegre Reunião dos Camponeses”, “Tempestade” e “Canto dos Pastores”. Nenhum deles, no entanto, descreve cenas. A música funde o criador à natureza, articulando seus estados de espírito.

A melodia resulta serena, apaziguadora, como indicado pela luminosidade das flautas do terceiro movimento. Não poderia haver contraste maior com a “Sinfonia nº 5”, certamente a composição mais popular do repertório da música de concerto. “Tam-tam-tam-taaam” quer dizer “sol-sol-sol-mi-bemol”. Mas isso significa muito pouco.

O impacto do início do primeiro movimento se deve, sobretudo, à alternância entre a sequência de três notas breves e uma longa. O tema é, então, rumorejado pelos diferentes naipes da orquestra, que ecoam a inquietação do gênio criador. Ora lírica, ora tempestuosa, assim é a consciência do homem romântico.

Nas palavras de Beethoven, as três notas são “as batidas do destino à porta”. Ele também estava falando de si. Homem feito, o compositor já via, naquela noite de dezembro de 1808, a morte no horizonte. Seu destino não chegaria sem o drama provocado pela surdez, que já o atingia. Os próximos anos seriam de tristeza e de sucesso.

Mas a repercussão do maior concerto da história foi tímida. Um jornal de Viena, para onde Beethoven se mudara aos 22 anos, se limitou a registrar a grande quantidade de obras interpretadas e também o extenso tempo de apresentação. Entre as estreias, figurou o “Concerto para piano nº 4”, com o próprio compositor tocando o instrumento.

Na Sala São Paulo, a obra será interpretada pelo suíço Louis Schwizgebel. “A dificuldade é não cair num virtuosismo leve, é preciso atingir a profundidade da obra, que parece elevar nossos espíritos”, diz. Ademais, Beethoven, nesse concerto, quebra a tradição clássica, indicando que o piano deve abrir a obra, e não a orquestra.

Já a “Fantasia Coral” sintetiza o momento criativo do compositor, com uma formação insólita. Nessa peça, que agora se inicia com um solo de Schwizgebel, Beethoven mobiliza todo o material com que trabalhava naquele período – piano, orquestra e, sobretudo, vozes. A palavra passa a ser determinante na expressão artística.

Tanto que a “Fantasia Coral” antecipa o célebre tema da “Sinfonia nº 9”, que incorpora parte do poema “Ode à Alegria”, de Friedrich Schiller. Agradável, o mesmo tema é encontrado em “Todos Juntos”, canção que abria a última turnê de Chico Buarque, “Que Tal um Samba?”. A intensidade de uma sinfonia está ali compacta, em 20 minutos.

Nessa epopeia musical, ainda cabem o “Gloria”, da “Missa em Dó Maior”, muito menos gravada do que a “Missa Solemnis”, e a ária em concerto “Ah! Perfido”, cantada pela soprano Camila Provenzale. “Beethoven nos mostra o quão poderosa é a palavra”, afirma ela. “Ele nos mostra que não devemos executar a obra de arte, mas a interpretar.”

Completando um ano no cargo de diretor musical da Osesp, Fischer se diz satisfeito com a orquestra até aqui. Sem entrar em detalhes, maestro afirma ter implementado um método de trabalho, que se alicerça na honestidade com os músicos.

“Uma orquestra não funcionaria se os músicos não se escutassem. Isso vale para a sociedade do mundo contemporâneo”, diz.

BEETHOVEN FEST

Quando qui. e sex. às 20h30; dom; 17h

Onde Sala São Paulo – pça. Julio Prestes – São Paulo

Preço Ingressos esgotados

Classificação Livre

Direção Thierry Fischer

GUSTAVO ZEITEL / Folhapress

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