SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Considerado inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o marco temporal para terras indígenas deve passar por nova análise do Congresso nesta quinta-feira (14). O Legislativo pode decidir se mantém ou derruba vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto.
A ideia do marco temporal é de que povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Após sucessivos adiamentos, governo e ruralistas chegaram a um acordo parcial sobre o que será mantido ou derrubado, como a Folha mostrou.
Os argumentos contrários e favoráveis da tese vão da insegurança jurídica e do aumento de conflitos no campo ao deslocamento forçado de indígenas e não indígenas, e alguns resvalam em controvérsias como a demarcação do país inteiro, a chamada tese de Copacabana, ou a perda de traços culturais.
O marco temporal gera insegurança jurídica?
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a demarcação das terras indígenas do país em até cinco anos. Isso não aconteceu, enquanto seguem no país conflitos agrários históricos e invasões a terras indígenas.
Enquanto setores ligados ao agronegócio defendem o marco para resolver disputas por terra e dar segurança jurídica e econômica, no caso de investimentos no campo, críticos apontam a fragilização até de terras indígenas existentes.
Análise da Folha com dados da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) mostrou que a instituição de um marco temporal pode inviabilizar a posse de indígenas em 275 terras no país ocupadas por eles -36% dos 765 territórios na base de dados da Fundação.
A falta de um marco gera expulsão de produtores rurais?
Um dos principais argumentos de entidades ligadas ao agronegócio a favor do marco é o risco de expulsão de produtores rurais de terras que podem ser incluídas em processos futuros de demarcação. De fato, ocupantes de terras indígenas devem deixar territórios demarcados.
Hoje, há 132 terras indígenas em estudo na Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas). Segundo a Constituição, pessoas que não são indígenas não poderiam ocupar essas áreas, e sua presença também é detalhada nos estudos e relatórios da Fundação. Possíveis indenizações por benfeitorias e pela área ocupada foram vetados por Lula e serão analisados nesta quinta.
A derrubada do marco é um risco para agricultores familiares?
Frequentemente, operações de desintrusão de terras indígenas miram grandes invasores, que promovem efeitos cascata na ocupação ilegal com arrendamento, venda, grilagem e exploração das terras. As pressões vão muito além de pequenos produtores e envolvem parlamentares e integrantes de governos regionais.
A Terra Indígena Apyterewa, a mais desmatada do país, tem como invasores uma ex-vice-prefeita de São Félix do Xingu (PA), um ex-chefe da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) do Pará e grandes criadores que forneceram gado diretamente a frigoríficos de grande porte no país, segundo denúncia do MPF (Ministério Público Federal).
O Brasil inteiro pode ser demarcado?
A chamada tese de Copacabana, segundo a qual até o bairro da zona sul carioca seria terra indígena, não tem fundamento ou meios para ser aplicada. A ideia foi negada no próprio julgamento no STF, quando os ministros afastaram a ideia de posse imemorial, baseada em um passado longínquo. A comprovação depende de estudos antropológicos, que são apenas uma etapa do processo de demarcação.
O STF agiu no lugar do Congresso?
Críticos afirmam que o papel de definir um marco temporal seria do Congresso, e que o Judiciário, no caso o STF, não poderia legislar sobre isso. Especialistas apontam, no entanto, que a corte foi provocada para julgar um recurso especial.
No caso do marco temporal, o processo de referência trata de um recurso da Funai (Fundação Nacional do Índio) contra decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) que decidiu a favor da reintegração de posse de uma área tratada como de tradicional ocupação indígena em Santa Catarina.
Ainda, o Supremo pode ser provocado, por ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) ou de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), para o caso de novas leis que proponham sobre o marco temporal.
Indígenas perderam vínculo com suas terras?
O Censo Demográfico 2022 revelou que as populações de indígenas em territórios demarcados cresceram 16%, mas que dois de cada três indígenas moram fora dessas terras. O número indica a importância de políticas de assistência e proteção desses povos, afetados, além de intrusões de terra, por cooptação para o tráfico de drogas.
Uma medida que pode melhorar a qualidade de vida dessas populações, além da demarcação, é a aplicação dos PGTA (Plano de Gestão Territorial e Ambiental) nos territórios, que ajudam a promover renda e melhora na qualidade de vida às populações.
Ainda, denúncia de setembro deste ano do Ministério Público Federal aponta violações a integrantes da etnia madiha kulina, no sudoeste da Amazônia, como abandono, insegurança alimentar e violência sexual.
Indígenas perderam cultura tradicional?
A comunicação e o uso de estruturas e equipamentos urbanos por indígenas não são novidade e nem tem relação direta com a manutenção dos modos tradicionais de ocupação de suas terras. O ponto tem sido explorado como a perda de traços culturais dos indígenas. O ativista Davi Kopenawa, por exemplo, fez diferentes viagens internacionais para buscar apoio para a demarcação da Terra Indígena Yanomami, que aconteceu em 1992.
Lideranças mais jovens, por outro lado, usam ferramentas de comunicação para reafirmar suas identidades e ajudar na defesa de territórios.
LUCAS LACERDA / Folhapress