SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Filha de empregada doméstica, a menina Elisabeth Cristina Carvalho de Souza se acostumou a ver os filhos da patroa de sua mãe com um jogo nas mãos. Era uma espécie de videogame portátil. Às vezes, ela também podia brincar, quando os garotos permitiam.
Essa imagem jamais saiu de sua cabeça. Nesta quinta-feira (14), ela saiu da Baixada do Glicério, no centro de São Paulo, e foi à estação São Bento do metrô. Desempregada, a cozinheira e auxiliar de serviços gerais colocou as mãos no minigame que cobiçou. Ela tem 52 anos.
“Eu estou realizando um sonho. Quando criança, não recebi a oportunidade de ter. Adoro jogar e minha filha me incentivou a vir aqui. Pode parecer simples para muita gente, mas para mim é importante”, disse.
Elisabeth entra na estatística de pesquisa encomendada pelo banco digital Will Bank: 79% dos adultos entrevistados confessaram que, quando criança, quiseram um brinquedo que não puderam ter.
Inspirada pelo dado, a instituição financeira abriu, por três dias, no São Bento, a loja “Na volta a gente compra”. Ela fica aberta até esta sexta-feira (15), das 11 às 17 horas. Estão disponíveis peças que foram famosas entre a década de 1980 e início dos anos 2000.
Tudo é lúdico para os adultos que visitam o local. Eles recebem um bilhete de papel, que simula um cartão de crédito. Podem escolher um brinquedo e retirá-lo no caixa. De graça.
“É venda simbólica. A gente quer realizar sonhos mesmo”, diz Leandro Thot, diretor de marketing do Will Bank.
Estão pendurados nas paredes lembranças de infância de quem tem mais de 40 anos, como Autorama e bicicletas de modelos antigos.
Para levar embora, há fofoletes uma pequena boneca de pano, cubo mágico, jogos pula pirata, de pesca, cadernos com capas de artistas populares há 30 anos e tamagotchis, entre outros brinquedos.
Foi este último o objetivo da servidora pública Thaís Satie Ishizaka, 38.
“Era uma coisa da minha infância que eu tinha vontade de ter hoje. Quando criança, não tive. Só fiquei na vontade. Meus pais nunca compraram para mim. Talvez achassem que eu não ia cuidar”, afirma, falando sobre o jogo também chamado de bicho virtual, já que precisa ser “alimentado”, senão “morre”.
Há avós e pais que levam netos/filhos, claro, e usam o voucher para presenteá-los. Mas também existem muitas histórias como as de Elisabeth e Thaís, gente que vê um brinquedo antigo como questão de autoestima.
Houve quem se emocionou por conseguir, enfim, a fofolete que faltava para a coleção iniciada há muito tempo. Ou as que foram às lágrimas ao lembrarem o significado daquilo tudo porque lhes trazia lembranças do pai ou da mãe.
“Eu tive uma fofolete quando era criança, mas perdi. Não tenho mais. Agora, que estou com quase 50, quero de novo para guardar”, se diverte a assessora de gabinete Alessandra Regina, 45.
Ela aponta para a pequena caixa, que avisa ser aquele um brinquedo para pessoas com mais de três anos. “Então, posso ter”, constata.
O que está por trás da ação do Will Bank, na verdade, é chamar a atenção para outro dado da pesquisa: 70% dos brasileiros não usam expressões positivas para descrever a própria situação financeira ou a relação com o dinheiro.
“A gente acha que crédito é um direito humano, um lugar para todo mundo. A frase [da loja] é um jeito de a gente brincar e oferecer uma sensação que nem todo mundo teve antes”, completa Thot.
“Na volta a gente compra” é uma expressão popular das mães para filhos e filhas que desejam um brinquedo que elas não podem ou não querem comprar.
“Acho que as crianças de hoje achariam esses brinquedos ultrapassados. Creio que minhas crianças vão brincar, mas não sei se vão se interessar de verdade. Eu, vou. Para mim, é uma recordação da infância, de outros tempos”, ressalta a auxiliar administrativa Ana Paula Silva Mello Moura, 41.
Enquanto os clientes escolhiam, a fila aumentava fora da estação. Algumas pessoas se impacientavam.
“Está demorando, né? Espero que não acabem as fofoletes”, afirmou antes mesmo da abertura a enfermeira Adriana Moreira, ansiosa como uma criança perto do Natal.
No cartão de papel da loja “Na volta a gente compra”, era dado um carimbo na saída com a frase: “Eu voltei”.
ALEX SABINO / Folhapress