Eminência da morte une filmes com Pedro Paulo Rangel e Hugo Rodas

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Logo nos primeiros segundos de filme, enquanto os retardatários ainda procuravam seus assentos na escuridão do cinema, o documentário “Rodas de Gigante”, de Catarina Accioly, já arranca as primeiras gargalhadas que se tornariam, ao final, lágrimas e até abraços.

O longa retrata os últimos quatro anos da vida do dramaturgo uruguaio Hugo Rodas e passa uma mensagem contundente sobre amar uma vida intensamente pela beleza dos detalhes.

Embora estrangeiro, Rodas, que morreu em 2022, se considerava candango -isto é, brasiliense. Exibido na quinta-feira no Festival de Cinema de Brasília, o trabalho ilustra com acidez, além de um mau humor cômico e afetuoso, como Hugo passou por um câncer e uma pandemia em volta de sua família de amigos e artistas, como o dramaturgo Zé Celso e o fotógrafo Diego Bressani.

A edição leva o espectador a esperar a morte a qualquer momento, o que se concretiza após o diretor encenar em palco sua própria morte. Durante os quatro anos de gravação, Rodas, que tinha um câncer, reclama do longo período da produção e constata que o filme será sobre sua morte -ainda que se recuse a deixar a vida.

“Eu comecei a filmar Hugo como um homem saudável, então ele adoeceu no meio do filme. Achava que a gente tinha que fechar o filme no Uruguai. Filmamos em Montevidéu e, três meses depois, ele morreu. Ele era o narrador de sua própria vida, é como se ele soubesse que o filme tinha que ter um fechamento”, diz Accioly à reportagem.

Lotado, o Cine Brasília de Oscar Niemeyer, que sedia o festival até este sábado, aplaudiu de pé a obra, entre sorrisos e lágrimas -sinal tanto do impacto do filme como da grandeza do artista documentado. Hugo Rodas é percebido como um tipo raro de pessoa, quase caricato, mas também único.

Tema similar atravessa “O Nada”, curta-metragem póstumo do ator Pedro Paulo Rangel, morto no final do ano passado devido a um enfisema pulmonar, que se desenrola a partir de um diálogo do protagonista com a Morte -que lhe oferece a chance de ser imortal se também aceitar o sofrimento eterno.

Embora o enredo seja pouco original, a boa atuação de Rangel brilha e é o ponto positivo do trabalho. Durante os créditos, o público do cinema ovacionou o legado do ator, célebre sobretudo nas novelas da Globo.

Mas, entre os curtas, o destaque foi para “Cáustico”, de Wesley Gondim. Pouco antes de começar, o elenco no palco já deu o tom político com a leitura de um protesto sobre a falta de espaço do cinema brasileiro, sem incentivos para streamings investirem e exibirem a produção nacional.

Ao lado da sua equipe, de maioria feminina, a diretora de fotografia Joanna Ramos ainda ressaltou que ser diretora mulher e preta é um ato de resistência.

A obra fala de uma mãe e filha que moram isoladas e criam sapos para vender a carne. Feminista, sombrio, sanguinolento e prazeroso, o filme sabe divertir com apenas 22 minutos. A atmosfera lembra aquela de “Bacurau”, de Kleber Medonça Filho -mas pegando mais pesado no “gore”.

Encerrando a noite, o longa “Cartório de Almas”, de Leo Bello, impressionou pela fotografia delicada. O filme conta a história de Laura, uma mulher imortal, de 126 anos, que trabalha em um cartório onde se transformam em pássaros aqueles que renunciam a essa vida permanente.A boa ideia, porém, acaba perdendo força por se exceder nos simbolismos, o que atrapalha a fluidez da experiência.

Apesar do tema insólito, a atriz Gabriela Correa segura com leveza a personagem principal que começa a duvidar, ao longo do filme, das vantagens de não morrer. Isso se traduz em uma bela cena de dança na varanda de uma pequena casa em meio a um descampado. O dilema da personagem, de certa forma, é o mesmo que perpassou todos os trabalhos da noite no festival -como passar pela vida?

GABRIELA BILÓ / Folhapress

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