SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O programa paulista Conselheira 101, que trabalha para a inclusão de executivas negras e indígenas em conselhos empresariais, fechou uma parceria com o programa Women in Governance, da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), para levar 40 de suas ex-alunas para um curso presencial de cinco dias em março de 2024, de acordo com um comunicado à imprensa.
Além das aulas, exclusivas para o grupo, as participantes também vão ter palestras e encontros com executivos negros americanos ao longo da semana, disse à Folha Jandaraci Araújo, uma das co-fundadoras do Conselheira.
O Women in Governance (em português, Mulheres em Governança) é um programa para diretoras-executivas de empresas e ONGs com 15 a 20 anos de experiência em gerenciamento, de acordo com o site da universidade.
Geralmente, o curso é oferecido online, por um período mais longo, para executivas americanas, escreveu Donna Sharp, vice-diretora da faculdade de administração de UCLA, em uma declaração à Folha.
Para receber as brasileiras, o curso “C101: Women in Governance”, fruto da parceria, vai se inspirar e trazer conteúdo do programa já existente da universidade, escreveu Sharp.
Entre os dias 18 e 22 de março, as brasileiras farão aulas sobre funções e responsabilidades dos conselhos de administração, persuasão e influência para ser um membro efetivo da direção, e estratégias de networking, de acordo com o comunicado à imprensa.
“A UCLA Anderson Executive Education tem orgulho de liderar o caminho para a construção de um canal robusto de executivas sênior altamente qualificadas e prontas para o serviço nos boards”, escreveu Sharp. “Estamos muito felizes que o curso ‘C101: Women in Governance’ vai estender o alcance desse importante trabalho até o Brasil”.
O Conselheira 101 é um programa sem fins lucrativos que desde 2020 promove o networking entre diretoras-executivas negras e indígenas e dá um curso anual sobre conselhos de administração para ajudar a inserir mais dessas mulheres nos boards das empresas. Ao todo, o programa já formou 105 mulheres, segundo Carla Osada, uma porta-voz do Conselheira.
“Para quem está no terceiro ano [de existência], para [um programa que] surgiu no meio da pandemia, totalmente online, [essa parceria] é um passo bastante significativo”, diz Araújo. “A gente está rompendo fronteiras”.
Das 40 selecionadas para o programa de UCLA, 20 já confirmaram presença. As outras aguardam confirmações de visto e outros trâmites para oficializar a participação.
A solidão e o preconceito marcam a experiência de mulheres pretas no mundo corporativo.
De vendedora de salgados na rua a conselheira de grupos como o Instituto Inhotim, Araújo diz que passou por várias situações em que suas qualificações profissionais foram questionadas por causa da cor de sua pele. Quando deu início a sua carreira, há mais de 20 anos, ela disse que o preconceito era normalizado.
“Ninguém abria a boca para falar nada. A gente baixava a cabeça e ia trabalhar. E dava graças a Deus por ter conseguido alguma coisa”, diz. “Na minha primeira promoção, quando o meu chefe anunciou que eu ia coordenar a equipe, uma das minhas colegas levantou e falou que não queria responder para ‘essa neguinha'”.
Já Patricia Albuquerque, conselheira fiscal do Museu Afro Brasil e confirmada para o programa em UCLA, conta que nunca passou por um caso tão explícito de racismo. Mas, após um acidente doméstico há cerca de oito anos, ficou com o movimento da perna direita limitado, e o impacto na mobilidade trouxe questionamentos sobre suas habilidades como executiva.
“Eu sempre era a moreninha, mas vamos dizer assim que eu nunca sofri diretamente um racismo. Mas, obviamente, por ser mulher e ter um cargo representativo, já tive algumas situações de ‘Ah, mas eu quero falar com a diretora-financeira’, mas a diretora-financeira era eu”, diz.
Já no retorno ao mercado após o acidente, “teve entrevistas que me perguntaram ‘você como executiva e com uma capacidade de limitação, como você usa salto alto? Como você vai na reunião? Como você vai viajar sendo PCD?'”.
Hoje Albuquerque anda quase normalmente, e conta que a experiência mostrou para ela a necessidade de inclusão de pessoas PCD no mercado, além de apenas contratá-las pelas cotas.
“A gente não fica nesse vitimismo porque somos negras, mulheres etc. A gente quer realmente fazer a diferença”, afirma. Para o programa de UCLA, ela disse estar “animadíssima”. “Eu acho que a gente vai fazer muito barulho”.
Em entrevistas com empresas brasileiras, uma pesquisa de 2023 feita pelo Insper em parceria com o Talenses Group revelou que cerca de 21% dos assentos em conselhos de administração, 26% dos cargos de diretoria, 34% dos cargos de vice-presidência e 17% dos cargos de presidência são ocupados por mulheres.
Ao todo, 381 empresas participaram do estudo, segundo Damaris Rota, porta-voz do Insper. Dessas, as que têm um plano de ação para diversidade de gênero e empoderamento feminino tendem a ter 2,3 vezes mais conselheiras em comparação a empresas que não têm essas iniciativas.
Nas empresas onde uma mulher ocupa o cargo de presidência, cerca de 17,9% das diretoras são negras. Já nas empresas presididas por homens, as mulheres negras representam cerca de 4,1% dos cargos de diretoria ocupados por mulheres. Das empresas entrevistadas, nenhuma tem uma presidente indígena.
Como uma executiva de descendência indígena, Valdenise Menezes, coordenadora do Comitê de Auditoria, Risco e Compliance do 2W Ecobank e também confirmada para UCLA, diz que sentiu que seus desafios no mundo corporativo vieram, principalmente, por ter vindo do Amazonas -um estado fora do eixo Sul-Sudeste– ainda jovem e como mãe solteira. Aos seus 20 anos, ela foi transferida pela empresa onde trabalhava para o Rio de Janeiro.
“Tem um ponto muito forte da sua origem, de onde você vem geograficamente”, afirma. Cerca de dois anos depois de ser transferida, “eu era coordenadora e fui promovida para gerente, e eu sofri muito preconceito no sentido de ter alguém vindo de lá, de um lugar onde você não tem, efetivamente, uma boa formação, e aqui você vem tirando um pouco da possibilidade e da oportunidade para quem está aqui na cidade e, teoricamente, mais preparado”.
Com 40 anos de mercado, ela diz que nunca teve a oportunidade de trabalhar com mulheres executivas negras, e muitas vezes era a única mulher em reuniões, conselhos e comitês. Segundo ela, foi no encontro dessas colegas que pôde se encontrar como executiva.
“Eu, de fato, nunca tinha encontrado ‘a minha tribo’. Eu nunca tinha encontrado o lugar do senso comum, o lugar onde eu me sentia em casa”, conta Menezes. “É óbvio que eu tenho como expectativa o aprendizado lá em UCLA, o networking, mas esse trabalho de construção de base que eu acabei tendo no Conselheira 101 foi algo que fez muita diferença para mim”.
Além da parceria com UCLA e o curso anual, o Conselheira planeja inaugurar também em março de 2024 seu próprio instituto para ampliar seu trabalho, fazendo parcerias com projetos que também têm como missão a inclusão das mulheres negras e indígenas em todo o país.
“A gente entende que chega o momento de ampliar”, diz Araújo. “Uma das coisas que a gente se orgulha é que a gente não está competindo com ninguém, a gente está se aliando com muita gente”.
ISABELA ROCHA / Folhapress