SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A transformação em zona de proteção ambiental de uma área disputada entre o povo guarani e a construtora Tenda não impede a empresa de avançar na construção de um conjunto de prédios residenciais no terreno do qual é proprietária nos arredores da terra indígena Jaraguá, na zona norte de São Paulo.
Cerca de 800 indígenas que vivem no território pleiteiam a mudança no zoneamento da área de aproximadamente 77 mil metros quadrados como forma de barrar o empreendimento. A construtora, porém, possui licença municipal para a obra e afirma que poderá exercer esse direito.
Especialista consultada pela reportagem diz que a alteração na regra de uso e ocupação do solo não anula o registro prévio da documentação que pede a autorização para a construção. O caso é também discutido na Justiça Federal.
Na terça-feira (14), o texto da revisão da Lei de Zoneamento aprovado em primeira votação pela Câmara Municipal incluiu emenda da Bancada Feminista do Psol para a demarcação do terreno como Zepam (Zona Especial de Proteção Ambiental), onde empreendimentos imobiliários são proibidos.
Se isso for mantido na segunda análise do projeto, prevista para o dia 21, o local deixará de ser uma Zeis (Zona Especial de Interesse Social), que permite a edificação de prédios com apartamentos para famílias com renda de até dez salários mínimos. A Tenda diz que seu projeto é para famílias com renda de até seis salários mínimos.
A alteração, se confirmada, não obriga a construtora a abrir mão do chamado direito de protocolo. O termo diz respeito à regra de transição para alterações no zoneamento. Ela permite a execução de projetos cuja documentação tenha sido entregue à prefeitura antes da mudança da lei.
A Tenda afirma possuir alvará de construção aprovado para o terreno e, por isso, considera exercer o seu direito de construção no local, independentemente da transformação da área em Zepam, segundo a diretora regional de negócios Daniela Ferrari.
A transformação em área de preservação permite, porém, uma negociação entre a proprietária do terreno e a prefeitura para uma TDC (Transferência do Direito de Construir). Esse é um instrumento do Plano Diretor que permite ao proprietário transferir o direito de construir em uma área para outra.
“A mudança proposta pela Câmara, se aprovada em segunda votação, não interfere com o projeto atual, apenas cria uma opção de converter o potencial construtivo do atual projeto em certificados que poderiam viabilizar a transferência deste potencial para outros terrenos”, afirma Ferrari.
“Porém, ainda não está claro por parte da Câmara se o valor desta opção seria financeiramente equiparável ao direito atual da construtora, evitando assim que a mudança cause prejuízo financeiro aos investimentos já realizados na compra do terreno e em obras de infraestrutura”, prossegue a diretora.
Relator da revisão da Lei de Zoneamento, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) disse que a discussão sobre a transferência de potencial construtivo devem ser realizada com a prefeitura.
Consultada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) informou não ter localizado processo de TDC envolvendo a área.
Antecipar pedidos de construção em terrenos é uma estratégia do setor imobiliário para garantir a melhor regra possível em casos de troca no zoneamento, diz Bianca Tavolari, pesquisadora dos centros de estudos Cebrap e Mecila.
Especialista em legislação urbana, Tavolari afirma que o direito de protocolo irá sobrepor à revisão da Lei do Zoneamento em toda a cidade, anulando dispositivos como as mais de 700 exclusões de quadras demarcadas como ZEUs, as zonas perto do transporte público onde não há limite de altura para prédios.
“O episódio da Terra Indígena do Jaraguá faz parte de um capítulo sobre o direito de protocolo que se tornará uma grande discussão após a revisão da Lei do Zoneamento”, comenta Tavolari.
A discussão quanto ao zoneamento é uma das estratégias dos indígenas para tentar barrar o projeto da Tenda. Há também uma ação civil pública na Justiça Federal por meio da qual a comunidade pede a anulação da licença municipal para a construção.
Júlia Navarra, advogada da Comissão Guarani Yvyrupa, afirma que o pedido de suspensão da licença é respaldado por portaria interministerial que estabelece distâncias mínimas entre empreendimentos e terras indígenas, além da necessidade de aprovação da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente).
O povo guarani ainda aponta descumprimento de Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) porque a Tenda derrubou árvores -528 árvores, no cálculo da construtora, mas os indígenas dizem que foram 4.000- sem consulta à comunidade.
A decisão em primeira instância foi favorável à construtora e determinou o encerramento da ação. A comissão apresentou recurso, que aguarda julgamento.
Presente na sessão da Câmara que aprovou o texto que cria a Zepam na terra indígena, a líder local Ara Dju Arapoty afirma que a preservação do território é importante para toda a cidade por representar trecho remanescente da mata atlântica. “Nós somos guardiões da floresta e estamos aqui para garantir o cuidado e a preservação do meio ambiente.”
CLAYTON CASTELANI / Folhapress