Quentin Tarantino analisa filmes que o formaram em novo livro

FOLHAPRESS – Poucos cineastas são tão explícitos sobre suas influências quanto Quentin Tarantino. Ele gosta tanto de determinados diretores e gêneros que escreveu um livro relatando e explicando suas obsessões cinéfilas —”Especulações Cinematográficas”, que acaba de sair no Brasil pela editora Intrínseca, com ótima tradução de André Czarnobai.

A obra não se propõe a ser uma enciclopédia de cinema. É uma celebração do tipo de cinema que fez Tarantino e moldou seu estilo.

Há capítulos sobre filmes como “Amargo Pesadelo”, de John Boorman, “Perseguidor Implacável”, de Don Siegel, “Os Implacáveis”, de Sam Peckinpah, “Irmãs Diabólicas”, de Brian De Palma, “Taxi Driver”, de Martin Scorsese, e até “A Taberna do Inferno”, de Sylvester Stallone.

O cineasta não se limita a dar opiniões sobre o filme, mas discorre longamente sobre os diretores, atores e roteiristas e compara esses filmes a outros do mesmo período, sempre com um ponto de vista interessante e peculiar. É um livro para ler com um bloco de anotações, listando os filmes que não se conhece.

Tarantino faz filmes sobre filmes. Obras em que disseca seus gêneros cinematográficos e literários prediletos —cinema policial asiático em “Cães de Aluguel”, cinema noir e livros “pulp” em “Pulp Fiction”, faroestes sangrentos em “Django Livre”, filmes de guerra em “Bastardos Inglórios”, a obra de Elmore Leonard em “Jackie Brown”, cinema de artes marciais nos dois “Kill Bill”— e pensa cada fotograma como um tributo a algum cineasta, ator ou roteirista que admira.

Em “Especulações Cinematográficas”, ele escreve sobre a experiência de assistir filmes na tela grande, especialmente obras das décadas de 1970 e 1980 a que ele assistiu, em sessões duplas e triplas, desde os sete anos, quando começou a ver filmes adultos acompanhados da mãe, Connie, e do padrasto, o músico Curtis Zastoupil. Seu pai, o ator Tony Tarantino, abandonou Connie antes de ele nascer.

A exemplo do cinema de Tarantino, seu livro é divertidamente caótico —sem uma ordem aparente, ele enfileira capítulos a esmo, falando ora de filmes, ora de diretores, ora de seus críticos prediletos. Um dos capítulos mais interessantes é uma ode a Kevin Thomas, um obscuro crítico de cinema de Los Angeles que escrevia sobre os filmes B que os críticos mais renomados não se dignavam a assistir.

O livro abre com um capítulo autobiográfico, “O pequeno Quentin assistindo a grandes filmes”, em que narra seus primeiros anos cinéfilos e o impacto de ver filmes adultos na infância, sem entender muito da trama, mas já impactado pela reação que imagens causavam nas plateias.

Connie e Curtis levavam o pequeno Quentin para assistir a qualquer coisa, muitas vezes em cinemas “poeira” em que a plateia demonstrava seu apreço —ou não— pelo filme com gritos ou vaias. Essa experiência marcou o menino para sempre.

Tarantino nasceu em 1963 e teve a sorte de viver, ainda criança e adolescente, uma época de ouro do cinema americano, a chamada Nova Hollywood de filmes como “O Poderoso Chefão”, de Francis Ford Coppola, “Lua de Papel”, de Peter Bogdanovich, e “O Franco-Atirador”, de Michael Cimino, entre outros.

Mas não foram apenas esses filmes clássicos que fizeram a cabeça do menino, que enlouqueceu com obras sangrentas e explosivas como “A Outra Face da Violência”, de John Flynn, “Joe: das Drogas à Morte”, de John G. Avildsen, e “Um Homem Chamado Cavalo”, de Elliot Silverstein.

Tarantino explica com maestria a gênese e explosão da Nova Hollywood, com o cuidado de dividir os diretores daquele período em dois grupos —os cineastas antissistema e os chamados “movie brats”, ou pirralhos do cinema.

“Para deixar bem claro, os cineastas antissistema pós-anos 1960 eram Robert Altman, Bob Rafelson, Hal Ashby, Paul Mazursky, Arthur Penn, Sam Peckinpah, Frank Perry, Michael Ritchie, William Friedkin, Richard Rush, John Cassavettes e Jerry Schtazberg”, ele escreve.

Segundo Tarantino, eles eram, em sua maioria, cineastas ligados à contracultura e com uma visão pessimista dos Estados Unidos e de Hollywood. “Os cineastas antissistema queriam refazer os filmes de John Ford, mas não da maneira que Paul Schrader e Martin Scorsese fizeram em ‘Taxi Driver’ e ‘Hardcore: no Mundo do Sexo’. Eles queriam refazer ‘Sangue de Heróis’ do ponto de vista dos apaches.”

Já os pirralhos eram de uma geração posterior —nomes como Scorsese, De Palma, Coppola, Bogdanovich, Spielberg e Lucas. “Eles foram a primeira geração de cineastas homens, jovens e brancos criados assistindo à televisão e formados em faculdades de cinema. Surgiram para definir o tom daquela década [1970] com filmes populares e estilosos.”

Colecionador obsessivo de cópias em película de suas obras favoritas, Tarantino usou a fortuna que ganhou no cinema para tentar formar novas gerações de cinéfilos e combater o fechamento de salas e o recente domínio dos filmes juvenis de Marvel e DC, ao comprar e reformar dois cinemas antigos de Los Angeles, o New Beverly e o Vista, e fazer a programação das duas salas ser centrada em filmes clássicos.

“Especulações Cinematográficas”, primeira incursão do cineasta pela análise de cinema, é mais um esforço de Quentin Tarantino para não deixar a cinefilia morrer.

ESPECULAÇÕES CINEMATOGRÁFICAS

– Avaliação Muito bom

– Preço R$ 89,90 (400 págs.); R$ 62,90 (ebook)

– Autoria Quentin Tarantino

– Editora Intrínseca

– Tradução André Czarnobai

ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress

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