SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Já é quase Natal, aquele período do ano em que filmes temáticos se multiplicam na TV aberta e no streaming. Uma novidade surge neste horizonte repleto de Jingle Bells e família brancas com crianças em pijamas de flanelas, ansiosas por abrir seus presentes (quantas vezes você já viu esta cena?). À coletânea dos clássicos soma-se a produção “Ritmo de Natal” versão brasileiríssima da Globo para a data.
Saem os estereótipos estrangeiros como montanhas geladas e cobertas de neve e músicas natalinas americanas; entram símbolos da nossa cultura como o funk carioca e a gastronomia do brasileiro comum, incluindo aí a prosaica macarronese.
A protagonista de “Ritmo de Natal” é Clara Moneke, e isso já diz muita coisa. Ela interpreta a cantora de funk Mileny, e as famílias, tanto a sua quanto as que a cercam, são interpretadas pela nova geração de atores negros da televisão e do cinema brasileiro.
Ao F5, Clara diz que sim, o assunto da representatividade vem sendo cobrado exaustivamente da indústria televisiva e cinematográfica, justamente porque ela demorou a acordar para a falta de atores negros como protagonistas. “Mostrar essas narrativas sempre foi uma opção, mas eles sempre escolheram contar outras histórias”.
Clara comemora seu lugar de destaque: “Eu não cresci me vendo. Então, quando a gente está em 2023, e a gente tem um leque de pretitudes, isso é muito rico. Até porque o Brasil é preto. A gente é diverso, a gente é plural, a gente é talentoso. Então, isso tudo precisa existir”.
A atriz cita o sucesso de “Vai Na Fé” como exemplo de como a sua personagem foi bem recebida e de como o público demanda a presença de um elenco preto e diverso: “Eu acho que o público mostrou um descontentamento com a falta de pluralidade dentro das produções de audiovisual. Os filmes e as séries começaram a mudar antes da televisão, e ela perdeu público”.
No filme, a cantora de funk do momento se envolve com Dante (Isacque Lopes), um violinista clássico. Os pais, Soraya (Vilma Melo) e MC Barbatana (Paulo Tiefenthaler), um dos casais mais populares da velha guarda do funk carioca, batem de frente com Inês (Taís Araujo), uma pianista consagrada. O choque cultural e as diferenças de personalidade entre os membros das famílias trazem uma série de conflitos.
Mileny vem de uma poderosa linhagem do funk carioca. Se o pai é MC Barbatana, a mãe é a Mulher Damasco. Ela vira um funkeira profissional, respeitada, com música gravada e fãs. Nada mais carioca, real, plausível.
O funk dá o tom, ou melhor, o ritmo, de toda a história, e nomes populares deste cenário são lembrados ao longo do filme. “Citamos MC Karol, Valesca Popozuda e Perla. É nossa forma também de homenagear e usar o funk como referência”, diz o roteirista Juan Jullian. MC Marcinho, morto em 23 agosto, também ganha uma deferência e vira padrinho de Mileny.
As cenas mais quentes com Dante também deixaram Clara feliz. A atriz destaca que normalmente não faz papéis sensuais justamente pela frequente sexualização do corpo da mulher negra, mas agora é diferente: “Como o meu corpo já é muito sexualizado, normalmente eu não assumo esse papel. Então, quando a arte me permite estar nesse lugar de uma forma confortável, que eu me sinto bem, eu brinco de poder viver essa realidade que a gente normalmente não pode”, diz.
“Ritmo de Natal” é o primeiro projeto do recém-criado Núcleo de Filmes dos Estúdios Globos, que também lançará “Diário de Dona Lourdes” em 2024. O filme chega à grade aberta da emissora em 18 de dezembro, após “Terra e Paixão”.
LUÍSA MONTE / Folhapress