Guarda compartilhada faz pavilhão de Niemeyer no parque Ibirapuera ter destino incerto

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A reforma do Pavilhão das Culturas Brasileiras, um prédio de Oscar Niemeyer no parque Ibirapuera, em São Paulo, arrisca descaracterizar o projeto do mestre da arquitetura.

Com obras de restauro estagnadas e agora em vias de serem retomadas, o pavilhão vai ser redesenhado com projetos distintos de diferentes arquitetos. Isso porque o prédio tem guarda compartilhada entre a Prefeitura de São Paulo e a Urbia, empresa que administra o Ibirapuera desde a sua privatização, em 2020, e elas têm planos diferentes para o espaço.

A prefeitura, dona de um terço do pavilhão, pretende instalar no espaço o Museu das Culturas Brasileiras . O acervo da instituição, sob a guarda do município, tem cerca de 15 mil itens e está armazenado no prédio há dez anos, longe dos olhos do público. Já a Urbia pretende fazer festas e eventos nos outros 66% da área.

Joia da arquitetura modernista, o Pavilhão das Culturas Brasileiras —conhecido como Pacubra— abrigou uma das primeiras edições da Bienal de São Paulo , na década de 1950, logo depois de ser aberto, e teve uma breve vida cultural até os anos 1970, quando se tornou sede da Prodam, a companhia de processamento de dados do município.

Quando o órgão deixou o pavilhão, em 2006, o arquiteto Pedro Mendes da Rocha foi chamado para fazer o projeto de adequação do espaço para receber exposições temporárias e de longa duração feitas a partir do acervo do Museu das Culturas Brasileiras.

Depois de obras iniciais, que removeram as repartições da Prodam, o pavilhão foi aberto ao público em 2010 para a exposição “Puras Misturas”, uma espécie de resumo de seu acervo, com relíquias como registros da missão de pesquisas folclóricas do modernista Mário de Andrade pelo interior do Brasil.

O acervo também contém obras de artistas dito populares muito valorizadas pelo mercado, como pinturas de Amadeo Lorenzato e esculturas de Antônio Poteiro. Há ainda artefatos indígenas, com peças dos povos karajá e tukano, que ganharam status no circuito artístico nos últimos anos.

Houve outras mostras nos anos seguintes, como uma dedicada à arte urbana, mas o pavilhão, que não estava em condições plenas de receber o público, foi fechado novamente há dez anos para a adequação a partir do projeto de Mendes da Rocha.

Em 2015, um contrato firmado entre a Prefeitura de São Paulo e o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, afirmava que a reforma deveria ser concluída até 2019. Para isso, o BNDES investiria R$ 12 milhões, e o município deveria fornecer o restante do dinheiro, até um teto de cerca de R$ 24 milhões.

Mas o BNDES investiu pouco menos da metade desse dinheiro, e a prefeitura diz que não fez nenhum aporte. Ainda segundo a administração municipal, “o acordo com o BNDES foi formulado e descartado em outra gestão”, e as obras agora são de responsabilidade da Urbia, assim como o projeto expositivo do museu.

Como se trata de um prédio de Niemeyer, nada anda rápido. O pavilhão é tombado pelos três órgãos de preservação do patrimônio —o Iphan, federal, o Condephaat, estadual, e o Conpresp, municipal. Qualquer alteração, portanto, precisa ser aprovada por todas as instâncias.

Mendes da Rocha afirma que era uma responsabilidade imensa intervir num prédio de tal envergadura histórica. Seu projeto foi aprovado pelos três órgãos do patrimônio em dez dias e parte dele chegou a ser executado, como restauros no subsolo e no primeiro pavimento, em 2016 e 2017.

Mas as obras não terminaram porque a prefeitura, sob as gestões de Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB), nunca fez o aporte a que tinha se comprometido, segundo o arquiteto. Depois, o parque foi privatizado, e seu projeto, descartado.

Agora, o pavilhão será fatiado entre equipes de arquitetos com visões distintas. Para a parte do museu, a Urbia chamou Álvaro Razuk, especializado em exposições. Para o restante, ficaram encarregados uma série de profissionais da própria concessionária, além de nomes de fora, que a Urbia não revelou.

“A Prefeitura de São Paulo e a Urbia querem violentar o prédio, fazer um Frankestein, dividir com paredes. Um cortiço avalizado pela Secretaria Municipal de Cultura, que não se importa com a brutal descaracterização de um prédio exemplar de Oscar Niemeyer”, diz Mendes da Rocha.

A Urbia responde que, pelo contrário, o projeto da empresa acaba com as divisões e não instala paredes. Diretor comercial da Urbia, Samuel Lloyd diz que a ideia é resgatar o desenho original de Niemeyer, deixando vãos livres no térreo para a visão desobstruída do público. No piso superior, os controles de acesso ao museu se darão por divisórias de vidro, não por paredes.

Em nota, a Secretaria Municipal de Cultura respondeu ao comentário de Mendes da Rocha afirmando que “o edifício é tombado e, portanto, qualquer reforma e restauro deverá preservar as principais características do prédio e passar por aprovação dos órgãos de tombamento, o que garante que o pavilhão não será descaracterizado”.

Razuk diz que não pode mostrar o projeto expográfico por estar aguardando a aprovação dos órgãos de patrimônio e pelo fato de que os desenhos ainda podem sofrer alterações.

“Você não pode brigar com aquela arquitetura, tem que fazer com que ela trabalhe a seu favor”, ele afirma, sobre o desafio de intervir num prédio tombado. “A ideia é fazer o acervo ser mostrado de forma inteligente, levando em consideração as questões da arquitetura e da curadoria.”

Segundo Razuk, tanto a Urbia quanto o poder público estão empenhados em pôr o museu para funcionar assim que possível.

Embora fechado e com restauros pendentes, o pavilhão está bem cuidado e limpo, como constatou a reportagem em uma visita no início de dezembro. Não há elementos obstruindo os grandes espaços vazios de Niemeyer nem sujeira no chão. As fachadas não estão deterioradas.

O acervo do museu, sob o cuidado de museólogas e conservadoras que trabalham lá, fica em duas grandes salas, uma de cada lado do primeiro andar. As peças estão acomodadas em caixas e envelopes distribuídos em estantes. Obras maiores, como esculturas de Antônio Poteiro e bonecos do Carnaval de Olinda, por exemplo, estão protegidas com um tecido específico para conservação.

A Urbia informa ter reformado as instalações elétrica e hidráulica e restaurado o piso e as fachadas do pavilhão, com R$ 10 milhões em investimentos.

O Pacubra não foi o único equipamento cultural do parque entregue à iniciativa privada —a Oca e o Auditório Ibirapuera também passaram a ser geridos pela Urbia. O Museu de Arte Moderna, o Museu Afro Brasil e a Bienal de São Paulo não foram cedidos à concessionária.

Todos esses espaços culturais são conectados pela marquise, de responsabilidade da prefeitura. Deteriorada, a estrutura de 27 mil metros quadrados está interditada há quase quatro por oferecer risco aos visitantes —pedaços da laje desabaram em mais de uma ocasião na última década.

A administração municipal quer que a concessionária banque a restauração. A Urbia reafirma que não tem responsabilidade sobre a marquise.

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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