BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central disse ter elevado um pouco o impacto do fenômeno climático El Niño sobre a inflação de alimentos em suas projeções para o cenário à frente, conforme ata publicada nesta terça-feira (19).
No último encontro, em novembro, o colegiado do BC tinha mantido a hipótese de considerar um impacto relativamente pequeno do El Niño, mas alguns membros já haviam alertado para os efeitos sobre a inflação em caso de um fenômeno mais extremo.
De acordo com boletim da OMM (Organização Meteorológica Mundial) publicado em novembro, há 90% de probabilidade de que o fenômeno cíclico do Pacífico, associado a um aumento das temperaturas mundiais, persista até abril de 2024.
No Brasil, o El Niño deve afetar os regimes de chuva em regiões do país ao menos até janeiro, segundo previsão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. A precipitação deve continuar intensa no Sul e reduzida no Norte.
O colegiado do BC disse também ver avanço no combate à inflação, mas ressaltou que há longo caminho a ser percorrido, reforçando a necessidade de uma flexibilização de juros mais cautelosa.
“O Comitê avalia que houve um progresso desinflacionário relevante, em linha com o antecipado pelo comitê, mas ainda há um caminho longo a percorrer para a ancoragem das expectativas [convergência em direção aos alvos perseguidos pelo BC] e o retorno da inflação à meta, o que exige serenidade e moderação na condução da política monetária”, escreveu.
Na última quarta-feira (13), o Copom anunciou a redução da taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual, de 12,25% para 11,75% ao ano. A decisão foi unânime entre os nove membros do colegiado do BC na última reunião de 2023.
Esse foi o quarto corte consecutivo na mesma intensidade, conforme estratégia adotada pelo Copom desde o início da flexibilização de juros, em agosto. A taxa básica atingiu o menor patamar desde março de 2022, quando estava fixada em 10,75% ao ano.
O comitê também se comprometeu a manter o mesmo ritmo de queda da Selic nas próximas reuniões, ou seja, pelo menos nos dois primeiros encontros de 2024, agendados para os dias 30 e 31 de janeiro e 19 e 20 de março.
“Tal ritmo conjuga, de um lado, o firme compromisso com a reancoragem de expectativas [em direção às metas] e a dinâmica desinflacionária e, de outro, o ajuste no nível de aperto monetário em termos reais diante da dinâmica mais benigna [favorável] da inflação antecipada nas projeções do cenário de referência.”
No próximo ano, a meta de inflação definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) é de 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Isso significa que o objetivo é considerado cumprido se oscilar entre 1,5% (piso) e 4,5% (teto).
De acordo com o Copom, o processo de desinflação “não divergiu significativamente” do esperado e houve “alguma surpresa” positiva com relação à variação de preços de serviços.
No debate entre as razões para esse resultado, foram citados a normalização de preços, o impacto inercial da inflação, o comportamento dos salários, o movimento mais acentuado dos choques de commodities e alimentação e os impactos defasados da política monetária.
“A evolução prospectiva do hiato do produto [margem que a atividade tem para crescer até atingir sua capacidade máxima] e o comportamento do mercado de trabalho foram considerados muito relevantes para determinar a velocidade com que a inflação atingirá a meta.”
ATIVIDADE ECONÔMICA E MERCADO DE TRABALHO
Quanto à atividade econômica, o Copom destacou a materialização da desaceleração do PIB (Produto Interno Bruto), conforme o cenário esperado para o segundo semestre.
“A resiliência do consumo das famílias, que novamente surpreendeu positivamente, pode estar relacionada a um aumento da renda bruta das famílias, em função da expansão do mercado de trabalho, de benefícios sociais e de ganhos de renda relacionados à desinflação em importantes segmentos da cesta de consumo”, disse.
“Por outro lado, a formação bruta em capital fixo, que é mais sensível às condições financeiras e às perspectivas e incertezas futuras, segue em queda, após uma forte elevação ao longo do período da pandemia”, acrescentou.
Segundo a ata, alguns membros avaliaram que a persistência de maior resiliência do consumo e de queda no investimento poderia provocar, no médio prazo, um excesso de demanda em relação à oferta, com potenciais impactos sobre os preços.
O Copom ressaltou que a contratação no emprego formal se mantém em níveis elevados, em linha com um mercado de trabalho bastante dinâmico.
“Observou-se uma ampliação dos ganhos reais de rendimento no período mais recente, mas o comitê manteve a avaliação de que esse desenvolvimento pode refletir questões temporárias e segue avaliando que não há evidência de pressões salariais elevadas nas negociações trabalhistas”, disse.
No trimestre até outubro, a taxa de desemprego do Brasil recuou a 7,6% e o contingente da população ocupada com algum tipo de trabalho foi estimado em 100,2 milhões, de acordo com o IBGE.
O Copom prometeu seguir monitorando com bastante atenção as variáveis do mercado de trabalho, “em particular com um acompanhamento minucioso da dinâmica de rendimentos reais.”
O colegiado do BC disse também ter observado maior desaceleração na concessão de crédito à pessoa jurídica em conjunto com maior recomposição de crédito via mercado de capitais.
“Em que pesem as condições monetárias restritivas, enfatizou-se que já se observa a transmissão do ciclo de política monetária esperada pelo mercado para as taxas correntes de novas concessões, levando, em particular, a um maior dinamismo no mercado de capitais no período recente.”
Destacou ainda que a incorporação de cenários, como a dinâmica fiscal ou o cenário externo, “se dá por meio de seus impactos na dinâmica prospectiva de inflação, sem relação mecânica com a determinação da taxa de juros.”
O Copom reforçou o alerta divulgado anteriormente de que “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia [que não estimula nem desestimula a atividade econômica]”.
Isso, segundo o comitê, resultaria em impacto negativo sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo do processo de desinflação sobre a atividade econômica.
CENÁRIO GLOBAL
Com relação ao ambiente internacional, vários membros do Copom viram aumento de chance de “pouso suave” (queda da inflação sem forte desaceleração econômica) nos Estados Unidos, uma vez que os dados mostraram moderação de crescimento e menor pressão sobre a inflação, sobretudo em bens industriais e commodities energéticas (como petróleo).
Pensando nos fatores de risco para a continuidade do processo de desinflação, o colegiado do BC contrapôs a melhora na inflação corrente a desafios como contexto geopolítico incerto, mercados de trabalho aquecidos e o hiato do produto (diferença entre o PIB observado e o PIB potencial) apertado em várias economias avançadas.
“O comitê manteve a avaliação, diante da volatilidade recente e da incerteza à frente no cenário internacional, de que é apropriado adotar uma postura de cautela, principalmente em países emergentes”, disse.
ANÁLISE DE ECONOMISTAS
O Santander considerou que o Copom adotou um tom um pouco mais duro na ata, embora a mensagem esteja alinhada com o comunicado divulgado na semana passada.
De acordo com relatório assinado pela economista-chefe Ana Paula Vescovi, colunista da Folha, e sua equipe, o aumento no ritmo de corte de juros no Brasil dependerá de uma consolidação mais clara dos cortes no Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos), no primeiro trimestre de 2024.
“Também continuamos céticos em relação a uma taxa terminal mais baixa durante este ciclo de flexibilização”, afirmou. O Santander projeta que a Selic fechará 2024 em 9,5% e vê uma janela menor para cortes mais agressivos.
Já Rodolfo Margato, economista da XP, considerou que a ata veio em um tom neutro em relação à mensagem divulgada após a reunião.
“O comitê reforçou que a atividade econômica desacelera, que a inflação vem recuando, com uma abertura benigna, dentro do esperado, mas que existem incertezas no radar tanto no cenário internacional como aqui no Brasil, em termos de dinâmica do mercado de trabalho, entre outros fatores”, afirmou.
Em nota, a XP disse que o colegiado do BC evitou o debate sobre o nível da Selic ao término do ciclo de afrouxamento monetário e que elementos como contas fiscais e cenário externo são relevantes para determinar a taxa de juros terminal.
“Não sabemos -até o momento- como essas variáveis impactarão a inflação corrente e as expectativas inflacionárias ao longo do tempo”, acrescentou.
Nas projeções da corretora, o Copom encerrará o ciclo de flexibilização de juros em torno de 10%, devido sobretudo ao viés expansionista da política fiscal.
NATHALIA GARCIA / Folhapress